a vida do padre paulo rocha virou «um pandemónio» quando, «no início da quaresma», faleceu o padre monsenhor gabriel, pároco de penafiel, marecos e melhundes. «caiu-me o mundo em cima quase», conta, relatando o telefonema que recebeu do vigário geral da sé do porto, padre américo, inquirindo sobre a sua disponibilidade.
«o senhor bispo não tinha como dar resposta imediata e pediu-me que administrasse mais três paróquias a título provisório, em acumulação», explica o padre paulo jorge, que já tinha a seu cargo outras três comunidades.
e não há outra solução. é um dos cerca de 350 sacerdotes, entre escolares e religiosos, da diocese do porto, para 500 paróquias. ao todo, faltam 150.
foi assim que aos 36 anos se tornou num dos padres com mais paróquias na diocese do porto e uma das últimas nomeações do bispo d. manuel clemente, que ordenou, nos últimos seis anos, 15 novos sacerdotes. no mesmo período, faleceram 67.
desde que ficou com seis paróquias, o padre paulo jorge só descansou uma segunda-feira, o dia da semana em que habitualmente folga. por isso, o conta-quilómetros do carro em que se desloca entre a cidade de penafiel e as freguesias rurais do concelho, que antes registava 800 quilómetros por semana, passa agora a marca dos 1.000 semanais. as comunidades primeiro estranharam, começando agora a habituar-se aos novos horários das missas e a uma pastoral em que o padre está, necessariamente, mais ausente.
«cortámos quatro missas nessas três paróquias», conta ao sol, explicando que, sendo o possível neste momento, é «o suficiente para que toda a gente possa participar na eucaristia».
habituado a uma vida organizada nas três paróquias em que se estreou há 10 anos – lagares, fonte arcada e figueira –, comunidades com um total de 5.700 fiéis, o pároco, natural de irivo, no mesmo concelho, herdou há um mês «uma igreja com 12.000 pessoas», a igreja matriz de penafiel, e duas pequenas comunidades, marecos e melhundes – terra do antigo bispo do porto d. antónio ferreira gomes –, com 1.000 e 2.000 fiéis, respectivamente.
a solução encontrada pela diocese do porto é provisória e «pelo verão» o padre espera que este «ritmo», que «não se pode garantir indefinidamente», abrande. ao sol, o porta-voz da sé do porto, padre américo, disse que, nessa altura, «se tudo correr bem, serão ordenados dois novos padres».
mas o padre paulo jorge não é caso raro em portugal. a falta de párocos é uma situação transversal a todas as dioceses do país, o que obriga a que muitos sacerdotes tenham duas ou mais paróquias.
segundo dados da conferência episcopal portuguesa, há cerca de 4.270 paróquias e destas, 765 não têm pároco próprio. das que têm padre próprio, 215 são administradas por sacerdotes religiosos. olhando para a estatística dos últimos sete anos, é possível perceber que o número de padres diocesanos tem vindo a diminuir.
«nestas novas paróquias tenho a ajuda de outros padres, dos padres franciscanos aqui em penafiel, do capelão da misericórdia [de penafiel] josé maria e de um padre dehoniano que colabora nas outras duas paróquias, onde celebramos a missa de sábado à vez», explica paulo jorge.
o administrador paroquial teve «de mudar alguns horários, nomeadamente os das missas» e de encontrar um compromisso entre as necessidades das pessoas e a disponibilidade dos sacerdotes.
hoje em dia, e segundo o vigário geral da diocese do porto, o padre américo aguiar, há cada vez mais párocos «de congregações religiosas ou de institutos» a administrar paróquias. muitos são mesmo estrangeiros – entre os sacerdotes religiosos este «contingente é mais significativo», ao passo que entre os diocesanos os estrangeiros se ficam pela dezena, diz o também porta-voz da sé do porto. no porto, já têm a seu cargo paróquias importantes como as do amial, paranhos, cristo rei ou areosa.
sem missa ao domingo
mas todas estas alterações obrigam também a mudar de hábitos, o que nem sempre é bem aceite. «marecos e melhundes tinham missa ao sábado e ao domingo. agora só têm missa ao sábado. não é o ideal. para os cristãos, o dia da eucaristia é o domingo, que é o dia da ressurreição de cristo», observa o padre paulo jorge, sublinhando que inicialmente a mudança «não foi bem aceite». e muita coisa fica por fazer: penafiel, «com uma população de 12.000 pessoas, precisa de um acompanhamento mais próximo», admite o pároco, que tem pouco tempo para fazer mais do que dar missas.
de terça a sexta-feira, pelas 8h30, o padre paulo jorge dá missa nas três paróquias «lá de baixo» – lagares, a comunidade maior, à terça e à sexta; fonte arcada à quarta; e figueira à quinta. ao sábado, celebra a eucaristia da catequese em penafiel às 16h15, segue para marecos ou melhundes – paróquias onde se reveza na celebração da missa com um pároco dehoniano – para dar a missa das 17h30 e às 21h volta à igreja matriz. ao domingo, celebra três eucaristias, nas suas três paróquias iniciais. «às 9h em fonte arcada, às 10h15 em figueira e às 11h30 em lagares. esta às vezes troco com alguém para poder celebrar a das 12h em penafiel».
à semana, é o capelão da misericórdia que celebra a missa em penafiel, onde os franciscanos asseguram a eucarística dominical. marecos e melhundes não têm missa de segunda a sexta.
nas três paróquias que o padre já tinha, o serviço burocrático é assegurado por um secretário e, em penafiel, paulo jorge conta com a ajuda de uma paroquiana, sobrinha de um antecessor, o padre albano, que agenda os atendimentos.
segundo tem sido dito pelos responsáveis da própria igreja que há cada vez mais leigos, homens e mulheres, a conduzir as celebrações de domingo quando não há nenhum padre disponível. a primeira vez que isso aconteceu foi em 1981, em coimbra, mas hoje em dia, os casos sucedem-se. para dar missa, os leigos são preparados através de acções de formação, existindo ainda um guião sobre estas celebrações dominicais sem padres, feito pelo secretariado nacional de liturgia em 2006.
o dia acaba quase à meia-noite
«toda a administração das paróquias está a meu cargo. não é só a missa. há mais vida pastoral para além da missa», sublinha o pároco paulo jorge que, no resto do tempo, dá a catequese, confessa as crianças e os adultos, celebra os funerais – «há alturas em que de 15 em 15 dias há um funeral e há outras em que há dois funerais por dia», diz – e os casamentos, reúne com os conselhos económicos e outros grupos das diferentes paróquias.
baptismos não há muitos. quando se iniciou no exercício pastoral, paulo jorge encontrou três paróquias em que eram baptizadas 30 crianças por ano. «em 2012, nas minhas três paróquias, houve 11 baptismos», refere.
«durante este período da quaresma, ainda faço visitas aos doentes destas três paróquias cá de cima, de manhã. para o acompanhamento espiritual, resta muito pouco tempo», continua o pároco, lamentando: «esta alteração tem feito com que o burocrático ocupe todo o nosso tempo, de maneira que perdemos tempo para o ministério. um mês é muito pouco para fazer uma avaliação, mas necessariamente as pessoas vão sentir que o padre não está tão próximo». os dias terminam já tarde, por volta das 23h30, e só na estrada fica uma hora e meia da jornada.
uma nova pastoral
os «tempos de hoje» exigem «uma nova realidade pastoral» que «tenha a eucaristia como centro mas que não viva só da eucaristia», entende o padre paulo jorge, para quem a missa deve ser apenas o princípio de uma vivência religiosa que deve continuar quando o padre não está presente. «as pessoas não estão preparadas para isso porque nunca assim foi», sublinha, avisando: «vamos ter de pensar a pastoral de outro modo».
ferramentas modernas como as redes sociais podem dar uma ajuda. o facebook, onde o pároco tem quase 400 amigos, é mais um sítio onde responde a «dúvidas e questões de fé». «com a minha nomeação como administrador paroquial, no meu facebook ‘choveram’ pedidos de amizade destas novas paróquias. perguntam-me pelo horário das reuniões e das celebrações, querem saber o que se discutiu nas reuniões quando não puderem ir, como vai funcionar a celebração, o que é preciso preparar…».
o padre paulo jorge já acusa o «cansaço físico» mas diz, satisfeito, que «o barco tem navegado». «como eu disse aos meus paroquianos, nosso senhor só dá carga conforme os ombros». a páscoa é o grande teste no horizonte. «há oito dias que tenho o telefone sempre a tocar porque querem saber como vai ser o domingo de páscoa e eu ainda não tenho tudo assegurado para as seis paróquias». não podendo dar missa nas seis igrejas, está a tentar que «haja, pelo menos, um momento de oração» que conte com a sua presença.