Falências: ‘Governo não tem de perpetuar maus investimentos’

Vindo de fora do turismo, o novo responsável quer diminuir o peso do Estado no sector. Reduzir a carga fiscal e os custos de contexto são a sua grande batalha, adianta Adolfo Mesquita Nunes na primeira grande entrevista como governante.

está há dois meses em funções. já é possível fazer algum balanço?

gosto de fazer balanços no fim. a minha primeira preocupação foi identificar os problemas do sector como o excesso de oferta, política de preços baixos, muita atomização na hotelaria, excessivo endividamento e falta de transversalidade, que é preciso combater. comecei por tentar reagir aos problemas, criando a comissão de orientação estratégica para o turismo, que pretende enquadrar todas as políticas estratégicas de turismo, com todos os actores governativos que interferem directa ou indirectamente na actividade. também criámos o grupo de trabalho para a fiscalidade na área da restauração e hotelaria que estava previsto no orçamento do estado (oe). foi uma imposição da assembleia da república na aprovação do documento, a propósito do iva. mas eu e o secretário de estado dos assuntos fiscais quisemos alargar o âmbito, indo também aos custos de contexto do sector e trazendo para o grupo outros membros de governo e as associações mais representativas. teremos uma análise desses custos no final de julho.

quando tomou posse, a confederação do turismo disse estranhar a mudança e que era «uma má notícia» entrar alguém sem experiência na área. sentiu resistência?

as críticas são legítimas. mas se tivesse experiência no sector poderiam ser contrárias, ou seja, que teria interesses instalados.

na semana passada foi apresentado o plano estratégico nacional de turismo (pent), que apesar de rever em baixa as metas, pode ser ainda ambicioso neste cenário de crise…

o turismo tem mostrado sinais de resiliência notáveis no meio desta crise e contribuído de forma decisiva para atenuar os efeitos enquanto principal sector exportador, apesar dos custos de contexto que lhe estão associados, impostos pelo estado. portugal tem conseguido compensar a quebra dos mercados interno e espanhol, com outros com maior vitalidade e essa é uma tendência que procuraremos consolidar para podermos alcançar estes resultados. o pent limita-se a apontar metas que são mais realistas, mas não cabe ao secretário de estado do turismo ir buscar turistas para os hotéis. esse é um trabalho que tem de ser feito pelo sector. o meu é criar as condições para que isso seja o mais fácil possível.

o plano refere um programa de promoção e venda e a reformulação da promoção externa, bem como do funcionamento do turismo de portugal (tp). o que está previsto?

o tp apresentará uma campanha em breve. e será mais vocacionada para as novas tecnologias. a promoção é um assunto técnico e é um erro os secretários de estado darem a cara e fazerem suas as promoções que são feitas por técnicos do tp. quanto à promoção externa, até ao verão teremos um novo modelo definido para entrar em vigor no início do próximo ano. iniciei agora o debate, que quero fazer com todos os agentes do sector. deve o tp actuar junto dos operadores turísticos ou apenas na promoção do destino? deve negociar com companhias aéreas? deve ir até ao consumidor final? qual é o papel dos privados?

ainda assim, como acha que se deve promover o país lá fora?

é essencial garantir que a promoção esteja associada à venda. e, com o pouco dinheiro que temos, devemos seleccionar os mercados onde essa promoção é mais eficaz. não podemos avançar apenas na captação de novos mercados. também temos de consolidar os que já temos e aí o dinheiro gasto em promoção pode ser mais rentabilizado.

o turismo tem assistido à intervenção directa do estado e da banca na reestruturação de grupos hoteleiros. como liberal que se assume, concorda com este modelo de ter projectos, que podem não ser viáveis, ‘ligados à máquina’?

não tenho de concordar ou discordar do envolvimento de bancos nas operações turísticas. temos é de adaptar os mecanismos de financiamento existentes a esta nova realidade, ou seja, a possibilidade de haver gestão profissional de equipamentos hoteleiros que estão em dificuldades. estamos a trabalhar numa linha de apoio à consolidação financeira, e em breve teremos novidades. mas não me ouvirão nunca dizer que, em certo local, devia existir um hotel de 4 estrelas em vez de 5. o meu papel é garantir que se há um investidor com um projecto viável de quatro estrelas poderá fazê-lo.

é expectável que venhamos a ter, em portugal, mais falências de grupos hoteleiros e um agravamento do desemprego no sector?

a selecção natural pressupõe um mecanismo de destruição e um de criação. se há vários grupos hoteleiros atomizados que podem ter dificuldades, temos aqui uma área de negócio. podemos profissionalizar a gestão. existe pouca tradição em portugal, no sector hoteleiro, de ter a propriedade e a gestão diferenciadas. a crise cria esta oportunidade. a obrigação do governo é garantir que os projectos que têm viabilidade e que têm dificuldades conjunturais não possam ser destruídos apenas por essas dificuldades. mas não é obrigação do governo perpetuar maus investimentos, que não têm condições de viabilidade. não é popular dizer isto, mas não podemos ter financiamento público para criar novos investimentos e depois ter financiamento público no momento em que se revelam inviáveis para tentar perpetuar um investimento público que é inviável. o dinheiro do contribuinte não serve para perpetuar projectos inviáveis.

os empresários gostam ou não de ter o estado por perto?

num sector e numa economia em que o próprio estado habituou as pessoas a que o estado é financiador, mecenas, licenciador, comprador, fiscalizador, regulador, não é fácil. os empresários adaptam-se à realidade que têm. e adaptaram-se a um sistema que vivia com o estado como motor e central. no sector hoteleiro, os grupos que estão mais sólidos são os que precisam pouco do estado e que tiveram uma estratégia de internacionalização. conseguiram ter uma estratégia de sucesso, apesar do peso do estado. o estado é sócio maioritário da vida de todas as pessoas em portugal e podia ser um silent partner [termo tem inglês para dizer que não interfere], mas nem isso é e isso tem de acabar.

ana.serafim@sol.pt e tania.ferreira@sol.pt