a ideia deste espectáculo surgiu em lisboa em 2011. qual foi a motivação?
sempre quis fazer um show de violão e, mais do que a ideia, foi em lisboa que ganhei coragem para avançar. montei o show, fiz uma digressão no brasil, eleita pelo folha de são paulo a melhor do ano, mas sempre tive os olhos aqui. fiz muita força para o apresentar em lisboa, mas depois desisti porque, quando quero muito uma coisa e ela não se realiza, até acabo me indispondo.
pelo meio dessa digressão tocou com os los hermanos. a dicotomia banda/solo muda a postura em palco?
a música é uma ferramenta para me conectar com uma coisa interior e, depois, comunicar com a plateia. posso usar a força da banda para esse movimento ou o violão. o número de pessoas não altera o caminho. talvez a diferença seja só a agonia de errar alguma nota com o violão. a massa sonora de uma banda passa por cima de qualquer erro individual. sozinho fico mais exposto, mas o gesto de tocar violão é tão intrínseco – foi o instrumento com o qual me alfabetizei musicalmente – que já o toco na cabeça sem precisar de o ter na mão.
a solo tem sido mais introspectivo. é o registo mais fiel da sua pessoa?
a busca de uma estética carrega essa ambiguidade. nunca sei ao certo se o que se toca é uma representação do que somos ou do que queremos ser. penso que o meu jeito de tocar violão é algo que encontro para acalmar a minha própria confusão mental.
dispersa-se muito?
bastante. e a música tem essa característica de transformação. os meus primeiros movimentos musicais, com os los hermanos, eram muito exteriorizados, era hardcore, tocávamos alto. a repetição desse gesto vai-nos transformando, até que você se cansa e quer experimentar outras linguagens. há o desafio intelectual de encontrar uma alternativa a você mesmo. já fui isto, que mais posso ser? essa resposta na música não tem só que ver com intenções. têm de existir acções para se caminhar para outro lugar.
o sossego das suas canções não é, então, natural em si?
não tem muito a ver comigo e fico procurando essa razão de ser. é quase como a dança. a maneira como você mexe o corpo a ouvir uma música tem muito de invisível e as opções musicais também. venho tentando ouvir, cada vez mais, o que seria natural se não fizesse esforço, se não estivesse preocupado com que música faço.
quer libertar-se do planeamento?
quero deixar a música aflorar naturalmente. mas depois também sou antagónico porque geralmente caminho por oposição àquilo que já fiz. depois do voz e violão, provavelmente, o meu próximo passo será tentar expandir o meu senso comum e impor-me outros desafios.
passou os últimos três meses em lisboa a estudar a perspectiva de vir viver para cá. ficou conquistado?
tenho tanto amor no meu coração por lisboa que nem sei descrever essa adoração. há uma sensação de pertença muito forte. sinto-me daqui. os meus avós são portugueses e talvez essa familiaridade esteja no sangue. desta vez, viemos [ele e a namorada, a cantora mallu] meio de férias e deu para estudar os bairros e ver qual o mais legal para morar. lisboa é o primeiro degrau na descompressão de uma megalópole. sou do rio e a mallu é de são paulo, uma cidade com 18 milhões de pessoas, não é para amadores. uma vez decidi ir viver para a praia dos carneiros [no estado de pernambuco] e ia enlouquecendo. tem de haver níveis de descompressão, por isso acho que vamos viver bem numa cidade com o porte de lisboa. e, quem sabe, num futuro próximo vamos para sintra. o meu sonho é aposentar-me na praia das maçãs.
que fascínio é esse?
primeiro o nome é maravilhoso e depois a [maria gabriela] llansol, a minha escritora preferida, morou lá. quem não quer morar na praia das maçãs?! [risos]
a tranquilidade atrai-o?
tenho um gesto artístico íntimo. se conseguir manter isso vivo e arejado, sem deixar que as expectativas se intrometam no meu amor por fazer música, vou estar no bom caminho. mas falar de coisas sérias não é o que faço melhor, porque as minhas ideias não são claras.
falar da composição não permite compreender mais coisas?
pode ser enriquecedor, mas no brasil, onde usualmente dou entrevistas, ninguém se interessa pelo lado mais pessoal da composição. o papel do artista é outro, é entreter e gerar polémica. este movimento de emigração que estamos a planear, que envolve atravessar um oceano, é interessante porque traz a possibilidade de buscar outras inspirações, outros ventos, outra incidência do sol. isso renova o inconsciente. e o silêncio de lisboa, esta frequência mais calma que a cidade respira em comparação com o rio ou com são paulo, favorece a reflexão.
e a composição de um novo disco?
tenho esse plano. se o concretizar acho que esta atmosfera vai resultar num disco mais reflexivo. o meu caminho tem sido o da individualidade. mas a vida tem muitos ventos. às vezes, vejo um vídeo dos beatles e viro beatlemaníaco aos 35 anos. e depois vejo a guiomar novaes tocando só piano e quero ir por aí. a tendência é conjugar as duas forças.
muitos dos seus amigos portugueses são músicos. há parcerias pensadas?
estão faladas algumas, com o antónio zambujo por exemplo, mas ainda não se proporcionou. também sou muito amigo do fred ferreira [orelha negra] e do miguel araújo. mas, desde há um tempo para cá, tenho-me embrenhado na música regional portuguesa e acho que tem assunto ali para mim.
ouviu música portuguesa na infância?
a minha avozinha gostava muito do roberto leal e era o que se ouvia lá em casa. no outro dia fiquei impressionado porque o vi na televisão super jovem, com a mesma cara de há anos. tenho de perguntar como é que ele faz isso. quero ficar bem bonito como o roberto leal quando for velho.
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