Offshoreleaks, um pesadelo fiscal

As revelações começaram na semana passada e podem prolongar-se até 2014. A identificação de políticos e milionários de todo o mundo que guardam o dinheiro em offshores escapando à tributação a que o comum dos cidadãos está sujeito, só teve até ao momento uma consequência: o Presidente francês François Hollande declarou guerra aos paraísos fiscais.

um disco rígido enviado por correio à associação de jornalistas sediada em washington international consortium of investigative journalists (icij) desencadeou a investigação. uma rede de 86 jornalistas de 46 países começou a trabalhar há vários meses numa enorme massa de informação – 260 gigabytes em 2,5 milhões de ficheiros, entre e-mails, bases de dados, folhas de cálculo, pdf, imagens e textos em bruto.

 uma quantidade de informação mais complexa e 160 vezes maior do que a correspondência diplomática norte-americana revelada pela wikileaks.

a informação respeita apenas a 10 offshores, pelo que se trata de uma amostra da quantia astronómica que estará em paraísos fiscais – segundo a associação tax justice network, algures entre 21 e 32 biliões de dólares, mais do que a riqueza produzida num ano pelos estados unidos e do japão em conjunto.

não é ilegal ter uma empresa ou uma conta bancária num território com um regime fiscal de excepção – desde que se declarem os movimentos ao fisco do país de origem. mas sabe-se que não é essa a opção para quem se esconde atrás de uma miríade de empresas de fachada, como fez o falecido gunter sachs. com a ajuda de uma sociedade de advogados, o playboy alemão criou 15 empresas em territórios amigos da opacidade (luxemburgo, panamá, ilhas cook e ilhas virgens britânicas).

as offshoreleaks tiveram para já a virtude de minar uma das características de quem procura estacionar a sua riqueza fora do seu país: o anonimato. políticos como o primeiro-ministro da geórgia bidzina ivanishvili, o presidente do azerbaijão ilham aliyev (e família), a governadora filipina maria imelda marcos; familiares de políticos como a mulher do ex-primeiro-ministro tailandês thaksin shinawatra, o genro do ex-ditador birmanês ne win, a mulher do vice-primeiro-ministro russo igor shuvalov (que há dias disse aos cidadãos para guardarem o dinheiro na rússia), o marido da senadora canadiana pana merchant e os filhos do ex-presidente colombiano alvaro uribe; e personalidades famosas como a coleccionadora de arte carmen thyssen-bornemisza ou o citado sachs são alguns exemplos de pessoas que lucraram com o esquema.

outro nome que fez mossa foi o do tesoureiro da campanha eleitoral de françois hollande, jean-jacques augier. ex-colega de faculdade do presidente, este empresário esclareceu que usou uma empresa formada numa offshore para fazer um investimento na china. mas a este caso juntou-se outro, o do ministro do orçamento. jérôme cahuzac foi demitido após ter sido revelado que em 2009 tinha tentado desviar 15 milhões de euros para a suíça e que mentiu ao chefe de estado.

tema quente em frança

o ambiente político sobreaqueceu em frança. com a popularidade de hollande em níveis historicamente baixos e com uma sondagem a demonstrar que 77% dos gauleses acreditam que os políticos são corruptos, o eliseu reagiu na quarta-feira com um pacote de medidas para moralizar a vida política e empresarial e devolver a confiança aos cidadãos.

hollande anunciou que vai trabalhar para «erradicar os paraísos fiscais na europa e no mundo», obrigando para já os bancos franceses a declarar todos os anos uma lista de filiais no estrangeiro, bem como as actividades que desenvolve. e quer que ao nível da união europeia se combata a fuga de capitais e o segredo bancário. o luxemburgo já fez saber que irá abdicar do segredo bancário a partir de 2015.

as outras medidas de hollande passam por obrigar os políticos a declarar património, criar uma alta autoridade para a transparência e reactivar um departamento do ministério público contra os crimes económicos, extinto no consulado de sarkozy.

cesar.avo@sol.pt