ciente de que era uma personalidade controversa, a própria margaret thatcher não queria ter um funeral de estado. as cerimónias fúnebres que hoje se realizam estarão um degrau abaixo, ainda assim com pompa e circunstância – e gastos que poderão ascender aos dez milhões de libras, o que está a causar aceso debate. o realizador ken loach fez uma proposta radical: «como devemos honrá-la? vamos privatizar o seu funeral. colocá-lo a concurso e aceitar a oferta mais barata. é o que ela teria querido».
a dama de ferro ganhou o ódio de centenas de milhares com a sua política liberal. no primeiro mandato a recessão instalou-se e o desemprego subiu em flecha, atingindo os três milhões de pessoas: «a dama não volta atrás», proferiu então em resposta a uma carta de 364 economistas que pediam uma mudança de política.
a luta que ganhou aos mineiros em 1985 (após um ano de paralisação) e aos sindicatos em geral, ao retirar-lhes poderes, abriu para muitos uma guerra de classes. o número de sindicalizados caiu de 12 milhões para metade numa década. «tivemos de lutar contra o inimigo exterior nas malvinas. e temos de estar sempre alerta para o inimigo interno, que é muito mais difícil de lutar e mais perigoso para a liberdade», afirmou.
e por falar em malvinas, os argentinos também não a tinham em grande conta. «foi uma pessoa que causou não só grandes danos internos, mas também internacionalmente… de muitos modos, penso que ela foi semelhante à ditadura militar, e em particular com galtieri», afirmou ernesto alberto alonso, presidente da comissão de ex-combatentes nas malvinas.
nas relações internacionais, aliás, thatcher não esteve sempre do lado certo da história, como quando se relacionou com gorbachov ou lech walesa. apoiou o genocida pol pot e os khmer vermelhos; era aliada do ditador chileno pinochet, bem como do regime de apartheid de áfrica do sul (e classificou nelson mandela de «terrorista»).
a desregulação na banca e na bolsa trouxe muito dinheiro para o centro financeiro de londres, mas abriu as portas para que se criasse uma sociedade em que os estados são cada vez mais impotentes perante as jogadas da elite financeira, o que resultou em 2008 na crise financeira e económica que persiste. «a desregulação permitiu à city construir linhas longas de endividamento, que estão completamente para lá da regulação técnica e, como podemos ver com a crise da zona do euro, além da gestão política», diz o investigador karel williams do centre for research on socio-cultural change de manchester.
na irlanda do norte, ‘maggie’ também divide os corações. a greve de fome do recluso bobby sands, em 1981, terminou 66 dias depois com a sua morte e sem que a sua exigência de que eles e os seus colegas do ira fossem tratados como prisioneiros políticos. «decidiu tirar a sua própria vida; foi uma escolha que a sua organização não permitiu a muitas das suas vítimas», comentou a dama de ferro. outros nove presos acabaram também mortos. em retaliação, o ira tentou matar thatcher com uma bomba num hotel em brighton, onde decorria uma conferência dos conservadores. morreram cinco pessoas. ilesa, thatcher fez o discurso que estava previsto e reagiu com toda a fleuma: «a vida tem de continuar». «hoje tivemos azar, mas lembre-se de que só precisamos de ter sorte uma vez», retrucou o ira.
no campo cultural um número significativo elegeu-a como ódio de estimação. «nós gostámos de não gostar dela. ela obrigou-nos a decidir o que era verdadeiramente importante», comentou o escritor ian mcewan. os the jam (‘town called malice’), elvis costello (‘tramp the dirt down’), billy bragg (‘thatcherites’, ‘which side are you on?’), morrissey (’margaret on the guillotine’) ou paul mccartney (‘all my trials’), só para dar alguns exemplos, cantaram de forma crítica o thatcherismo. na série de humor spitting image, a governante pouco menos era que um monstro.
para david owen, secretário dos negócios estrangeiros do governo que precedeu o de thatcher, «a sua carreira é quase um caso modelo de um líder político que sucumbe à síndrome da presunção». deixou de ouvir os seus velhos companheiros políticos e um após o outro foram batendo com a porta.
no final, estava contra a reunificação da alemanha, opunha-se ferozmente à entrada no sistema monetário europeu (que veio a originar o euro) e teimou na introdução do imposto de capitação, injusto por natureza e que acabou por ser o seu canto do cisne.
ao fim de mais de 11 anos a grã-bretanha tinha outra face. mais moderna, sem dúvida, com menos gastos públicos, mas com mais desempregados, mais desigual e mais pobre (de 13,4% para 22,2% de pessoas abaixo do limiar da pobreza).