a personalidade vincada de margaret hilda roberts muito deve ao pai – como sempre fez questão de lembrar. durante os anos 40, alfred roberts foi edil de grantham, uma vila a 180 quilómetros de londres. aí tinha uma mercearia (que funcionava também como posto de correios). no andar de cima vivia a família, numa casa sem canalização. era neste ambiente austero de uma família metodista que cresceu a futura líder. «vinham clientes de toda a vila, era uma espécie de centro. estávamos abertos até às 20h às sextas e às 21h aos sábados e as pessoas iam lá mais tarde e falavam dos factos políticos do dia. eu era criança e adorava ouvir os mais velhos», contou numa entrevista à cbs.
a actividade política começou em oxford, onde ingressou em plena guerra, e estudou química. foi eleita presidente da associação académica dos conservadores. a partir daí foi fazendo o seu caminho, lento mas pioneiro, na política britânica. foi também no milieu que conheceu o homem com quem esteve casada 52 anos, o empresário denis thatcher.
«velho e próspero o suficiente para se sentir divertido e não ameaçado pelo êxito da sua mulher, denis foi a sua âncora emocional e financeira. durante os anos, embora raramente partilhassem os momentos mais críticos das suas vidas (quando ela lhe disse que ia disputar a liderança, ele perguntou ‘liderança de quê?’), ela ficou cada vez mais dependente do seu conselho e suporte», testemunhou ao guardian shirley williams, secretária de estado da educação entre 1976 e 1979.
margaret thatcher voltou aos estudos (em direito fiscal) já depois de ter trabalhado na indústria química e de ter concorrido, sem sucesso, à câmara dos comuns.
nascidos e criados os gémeos carol e mark, concorreu em 1959 ao parlamento. como outras 24 mulheres, foi eleita deputada. neste período mostrou não ser conservadora nos costumes (afinal tinha casado com um homem divorciado), ao apoiar a lei do aborto e a descriminalização da homossexualidade. onze anos depois chegou ao governo (foi a sexta mulher britânica). foi secretária de estado da educação e ciência, cargo que manteve até 1974, quando os conservadores perderam as eleições para os trabalhistas. «aguentou o paternalismo e a menorização a que foi votada pelo primeiro-ministro, ted heath. suportou os maus-tratos populares que recebeu ao retirar o leite gratuito das escolas primárias com o epíteto de ‘thatcher, a ladra de leite’, embora a medida fosse das finanças, não sua», recordou shirley williams.
com a derrota de heath nas eleições, a liderança dos tories entrou em disputa. quem queria sangue novo para suceder a heath apostava em keith joseph, cujas ideias de liberalismo económico entravam em ruptura com a agenda da época. mas joseph caiu em desgraça após um discurso infeliz e lembraram-se de alguém que seguia a mesma linha dos teóricos frederick von hayek e milton friedman. «a ideia de ter uma mulher a dirigir um partido político foi incomum, e liderar o partido conservador mais ainda, e imensa gente não acreditava que era possível. ela foi o melhor homem entre os candidatos», escreveu norman tebbitt. esta alta figura dos tories fez campanha pela ex-secretária de estado: «também me atraiu o facto de thatcher não acreditar que as causas da inflação fossem os aumentos de salários obtidos pelos sindicatos ou os grandes aumentos de preços por parte dos empregadores. concluiu correctamente que a causa da inflação era o governo, que acomodava a pressão ascendente sobre os preços, imprimia dinheiro e a inflação subia. ela foi uma revolucionária, ou talvez, mais precisamente, uma contra-revolucionária».
chegou a líder do partido e combateu os trabalhistas, mas não se esqueceu do que se passava para lá do canal da mancha. o seu duro discurso contra a união soviética fez com que recebesse da imprensa russa o epíteto que tão bem se entranhou, a dama de ferro.
ao ganhar as eleições, em 1979, tinha 53 anos e ganho o respeito do partido e da maioria do país.
mas ‘maggie’, como também era chamada, não foi viver para o famoso número 10 de downing street para agradar nem aos conservadores nem ao eleitorado. rompeu o contrato social vigente, o chamado consenso do pós-guerra estabelecido por clement attlee. logo no primeiro ano aboliu o controlo cambial, cortou a taxa máxima do irs de 83% para 60%, e iniciou uma política de disciplina monetária (subiu a taxa de juro para conter a inflação).
a invasão das malvinas (falklands para os britânicos) em 1982 por parte de uma argentina governada por uma ditadura militar foi, à luz da história, um feliz acontecimento para a primeira-ministra, cuja popularidade estava em baixa devido à recessão. londres foi apanhada de surpresa, mas passado o choque inicial thatcher não teve dúvidas em enviar tropas para reaver a colónia do atlântico sul. contou com a discreta ajuda de françois mitterrand, que forneceu informações sobre os aviões e os mísseis de fabrico francês ao serviço do exército de galtieri. o presidente socialista sentia o magnetismo de thatcher e certa vez confidenciou ao seu mne, roland dumas: «essa mulher! tem os olhos de calígula e a boca de marilyn monroe».
durante a guerra, conta a assistente pessoal cynthia crawford, as noites eram passadas a ouvir o serviço noticioso internacional da bbc (decerto acompanhado de uísque, a crer noutros relatos): «praticamente não dormiu nesse período. era tão incrivelmente forte e determinada».
com a rendição de buenos aires, 900 mortos depois – e o subsequente fim da ditadura argentina – a governante galgou uma onda de patriotismo que lhe trouxe uma enorme notoriedade à escala global. as eleições de 1983 acabaram por ser um passeio.
no plano internacional, a união soviética continuava a ser uma enorme preocupação. teve um papel crucial ao identificar e estabelecer uma relação de confiança com gorbachov antes deste aceder ao poder. o último líder da urss recorda o seu primeiro encontro, em 1984: «a certa altura, a conversa ficou tão tensa que alguns dos presentes pensaram que tinha acabado. e então eu disse a margaret que não tinha instruções do politburo para persuadi-la a aderir ao partido comunista da união soviética. ela deu uma gargalhada, e apressei-me a acrescentar que nós respeitávamos as suas opiniões e que esperava que ela me tratasse da mesma maneira». quando gorbachov ascendeu ao poder, thatcher convenceu ronald reagan a estabelecer uma ponte com moscovo. o resto é história.
no segundo mandato aprofundou a transformação social, ao lançar um programa de privatizações e ao encerrar empresas e serviços do estado, caso de dezenas de minas. a pátria da revolução industrial dava lugar a uma sociedade virada para os serviços financeiros. a desregulação da city em 1986 atraiu de imediato os bancos de investimento dos estados unidos. aos poucos tornou-se o centro de serviços financeiros do mundo, tendo importado os métodos de trabalho norte-americanos e a meritocracia em detrimento de uma cultura elitista que, por exemplo, recusava empregar mulheres em postos executivos.
em 1987 apresentou-se a um terceiro mandato. derrubada pelos próprios conservadores, não o cumpriu até ao fim, mas a primeira mulher governante foi quem mais tempo esteve ao serviço, sem interrupções, desde 1827.