Braga Lino: ‘Não fui ouvido e não sei o âmbito da auditoria às swaps’

Paulo Braga Lino, ex-secretário de Estado da Defesa, saiu do Governo pelo seu envolvimento em contratos tóxicos na Metro do Porto. Diz que nada assinou, nem podia. E que até propôs uma renegociação, que reduziu as perdas.

qual foi o seu envolvimento nas swaps do metro do porto, como director financeiro?

em momento algum poderei aceitar que seja posta em causa a minha honorabilidade e o meu empenho e brio profissionais. estou à vontade, pois em momento algum assinei qualquer tipo de contratos, não estava sequer mandatado para os aprovar e muito menos para os celebrar. enquanto exerci funções na direcção financeira da empresa, em conjunto com outra pessoa [mário coutinho dos santos], tive a responsabilidade directa pela gestão corrente do departamento, mas nunca pela política de financiamento da empresa. evidentemente, acompanhei a realização das operações e participei nas propostas submetidas à administração da empresa. entendo também que a administração da metro do porto, à época, provavelmente não teria tido outra alternativa para garantir o financiamento da obra.

por que é que diz que não haveria outra alternativa?

estávamos a falar de verbas para pagamentos decididos pelo estado português. sei bem as condições em que as operações foram celebradas, mas também sei as dificuldades de financiamento que existiam na metro do porto e os compromissos que estavam assumidos em nome do estado português. estamos a falar de dinheiro que foi investido em obra, de dezenas de quilómetros de linha que são utilizados por milhares de pessoas. naquele contexto, naquela situação de mercado, era uma obra que o estado não tinha capacidade para financiar e não havia bancos em portugal disponíveis para o fazer.

a sua responsabilidade é diferente da responsabilidade das pessoas que exerceram cargos na administração do metro do porto, como rui rio ou marco antónio costa?

sei bem a responsabilidade que tenho, todas as propostas apresentadas à administração são transparentes, completas e facilmente escrutináveis. apenas me poderei focar naquela que foi a minha intervenção no processo, não tendo responsabilidade directa na celebração dos contratos e na definição da política de financiamento.

os gestores públicos compreendem a natureza deste tipo de contratos de alto risco quando lhes são apresentados?

hoje, fala-se muito em operações especulativas e de alto risco. é fácil fazer hoje uma avaliação com dados de hoje sobre decisões tomadas há cinco ou seis anos. mas lembro que há quatro anos alertei e propus – e a administração da metro do porto aprovou – a contratação de assessoria internacional para apoiar na renegociação desses mesmos contratos. e foi possível reduzir as perdas potenciais em milhões de euros. não sei se mais alguma entidade pública à época o terá feito.

não havia a percepção dos riscos que há hoje?

os contratos foram assinados num contexto de mercado radicalmente diferente. as propostas foram cuidadosamente preparadas. foram obtidas, em alguns casos, dezenas de propostas alternativas e submetidas à administração da empresa, que entendeu seleccionar as que lhe pareceram mais convenientes e celebrar os contratos daí resultantes.

na altura, o governo, nomeadamente o secretário de estado do tesouro, costa pina, estava ao corrente destas operações?

estou a dizer que havia compromissos assumidos, era necessário honrá-los e esta foi a solução encontrada pela administração da metro do porto. todo este tipo de operações naturalmente era reportado nos relatórios e contas da empresa e nas diversas informações que eram produzidas.

vítor gaspar disse esta semana que as swaps serviram para o então governo ps maquilhar as contas. sente-se atingido nesta acusação?

de todo. a partir de 2007 foi prestada informação nos seus relatórios sobre estas operações e a partir de 2010 foram mesmo relevados nas contas os impactos que estas operações poderiam ter. portanto: transparência total na apresentação das contas e revelação dos valores destas operações.

como é que só ao fim de dois anos este governo descobriu que há ali um problema, quando me diz que era tudo transparente?

apenas, posso falar pelas operações da metro do porto. estas eram divulgadas designadamente nos relatórios e contas e eram publicamente conhecidas. não posso pronunciar-me sobre matérias que não estavam na minha alçada.

conhece as conclusões da auditoria do igcp [instituto de gestão do crédito público, responsável pelo apuramento de responsabilidades nesta polémica]?

não.

já foi ouvido pelo igcp no âmbito dessa investigação?

não. e não sei o âmbito da auditoria e que tipo de trabalho é que tem sido realizado e, portanto, não posso afirmar se deveria ou não ter sido ouvido.

acha razoável que a secretária de estado do tesouro, maria luís albuquerque, seja visada pela investigação (enquanto ex-responsável pela refer, em 2007) e ao mesmo tempo responsável no governo pela condução da mesma?

reitero que não quero produzir comentários sobre quaisquer outras situações que não domino.

 

‘tem sido prestada muita desinformação’

concorda com a constituição de uma comissão de inquérito?

vejo com a maior naturalidade. será uma oportunidade para, em definitivo, se esclarecer toda esta matéria sobre a qual tem sido prestada muita desinformação e tem posto em causa a minha honorabilidade.

saiu por sua iniciativa do governo ou foi-lhe pedido que se afastasse?

em primeiro lugar, está a salvaguarda do trabalho da defesa nacional, nomeadamente a sua reforma. se não tivesse saído, estariam hoje a discutir a figura do secretário de estado, desvalorizando as reformas que estão a ser implementadas. do ponto de vista estritamente pessoal, o mais fácil seria ter ficado. não tendo sido administrador da metro do porto, poderia ter-me desresponsabilizado. quando esta questão se colocou, fui o primeiro a considerar que deveria sair.

quando é que essa questão se colocou dentro do governo?

o relevante é compreender que em momento algum poderia prejudicar o trabalho que estava a ser feito. esta é uma questão pessoal. saí porque entendi que era o melhor para o governo e para o ministério.

chegou a falar com o pm sobre isto?

não queria revelar as conversas que tive sobre esta matéria.

qual é o critério para algumas pessoas envolvidas nos swaps saírem do governo e outras não? não há uma dualidade de critérios?

para mim, esta é uma questão pessoal. em momento algum, vou fazer julgamentos sobre quem possa ter tomado outras opções.

não houve uma espécie de directiva do pm? foi uma decisão livre e individual de cada um?

sei a opção que tomei e sei por que a tomei. permita que não faça comentários.

[actualizada quinta-feira às 11h45]

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