nenhum governo chegou ao fim do mandato em são tomé e príncipe. existe um problema de arquitectura constitucional?
o maior problema é o do entendimento entre as pessoas. é verdade que o tipo de escrutínio proporcional sempre fez com que fosse difícil encontrar maiorias parlamentares claras, obrigando a coligações. mas as coligações podem funcionar. nos períodos de crise, os entendimentos alargados são necessários. o que tem feito falta em são tomé e príncipe é o comportamento das pessoas, o entendimento. e há o facto de a política não ser vivida como uma coisa nobre. há uma confusão entre o interesse pessoal e colectivo.
mas uma revisão constitucional poderia ajudar são tomé?
eu fiz essa proposta em outubro de 2012. pedi a um chefe de estado africano – mais velho, que prefiro não nomear – para apresentá-la ao presidente pinto da costa. ele fê-lo a 12 de outubro. eu estava disponível para que houvesse um primeiro-ministro de transição que não fosse eu, com um governo de 12 meses com uma agenda bastante precisa, que faria uma reforma constitucional para dar uma nova roupagem e transformar o regime num regime presidencial, com um presidente executivo, e depois irmos a eleições.
qual foi a resposta?
não houve. tudo o que ouvi foi acusarem-me de querer ser presidente da república. do meu lado, sempre houve a maior das boas vontades. propus deixar de ser primeiro-ministro, criarmos um governo de unidade nacional, um primeiro-ministro de transição, uma agenda clara de reformas institucionais e depois irmos a eleições. evidentemente, seria candidato. posteriormente, sou surpreendido por esta situação inconstitucional de um presidente que é hoje primeiro-ministro. quero trabalhar, quero dar o meu contributo, seja na oposição ou no governo, mas as coisas têm de ser claras. cada um tem de assumir as suas responsabilidades.
a proposta terá precipitado esta crise?
não. isto tudo já estava planeado desde junho de 2012. eu penso, isso sim, é que esta proposta foi talvez mal interpretada. entenderam-na como um desejo meu de ser presidente da república. houve confusão da parte de pinto da costa, mas ele terá de ultrapassar isso.
o que está na origem da actual crise? há um conflito pessoal entre o presidente e o senhor?
o presidente da república não está à altura do cargo porque não o está a desempenhar dentro dos limites constitucionais. a figura do presidente da república em áfrica é a do ‘presidente-chefe’, mas a realidade são-tomense é outra, existindo uma partilha de competências entre pr e governo. penso que pinto da costa, que funcionou durante 15 anos num sistema monolítico em que era chefe de estado e do governo, do partido e do exército, não conseguiu adaptar-se a outros tempos.
há perspectiva de uma solução a médio prazo? eleições em 2014, por exemplo?
a instabilidade é o maior factor de atraso dos países africanos. são tomé e príncipe é um país sem recursos minerais identificados. existe a probabilidade de haver petróleo, mas nada na dimensão de países aqui à volta, nem que compense um risco político elevado. temos outro tipo de atractivos que estão ligados à nossa posição geográfica, às boas práticas no domínio dos negócios, transparência, boa gestão, serviços, logística, etc. mas isso não significa nada, se não tivermos estabilidade política. daí que a estabilidade pese muito mais em são tomé do que noutros países do golfo da guiné. e por isso é que não podemos perder tempo. está mais que visto que o país está bloqueado. a melhor solução numa democracia é voltar a dar a palavra ao povo. são previsíveis eleições autárquicas este verão. em termos de custos financeiros e logísticos, é uma eleição do mesmo tipo das legislativas. faria sentido aproveitar e fazer autárquicas e legislativas no mesmo dia.
mas será pouco provável.
como se diz, para dançar o tango são precisas duas pessoas. eu não sou um grande dançarino mas estou pronto a fazer um esforço. o que muitos políticos fazem é dizer que ‘agora eleições não, porque não estou pronto’. mas se nós olharmos um pouco para aquilo que vai acontecer, nada indica que os próximos meses vão ser melhores para pinto da costa ganhar eleições. ele passou a linha, saiu do seu espaço de pai da nação para um perímetro executivo em que está exposto. quanto mais tempo perderem, mais o presidente sai enfraquecido.
tem tido contacto com parceiros internacionais? será necessária uma mediação externa?
mediação é uma palavra um pouco forte. existem situações mais graves em áfrica, como no mali, na guiné-bissau e na república democrática do congo. o risco é que haja um desinteresse por são tomé, que tinha todas as condições para desempenhar o papel de país democrático, estável, pacífico e com qualidade de vida na região. tenho mantido contactos com outros países. todos falam na necessidade de estabilidade, mas quem vai resolver os problemas são os são-tomenses. não podemos pedir solidariedade e não dar nada em troca. angola, por exemplo, tem os seus problemas e está disposta a ajudar-nos, mas também quer ver os são-tomenses empenhados em resolver os seus próprios problemas.
o que é que tem feito fora do país? qual a sua actividade?
passei dois anos a trabalhar dez, doze horas por dia no governo. inaugurámos uma cultura nova de trabalho e de resultados. convenci-me de que precisava de descansar, mas passados dois meses senti a necessidade de estar ocupado. tenho dado conselhos e opiniões a governos e empresas amigas sobre matérias do meu interesse, como a ecologia e a agricultura. e tenho revisitado o programa do meu governo. esse programa foi aprovado para quatro anos, e eu hoje faço o exercício de ver o que foi bem feito, o que foi mal feito e o que ficou por fazer. não se trata de uma obsessão pelo regresso ao poder, mas sim de estar pronto para, quando as condições estiverem reunidas, continuar a contribuir para o meu país.
só volta com eleições?
tenho muita saudade e um grande desejo de regressar. mas nos últimos meses têm havido declarações, atitudes, comportamentos febris que não apelam à serenidade. quando disse que o problema em são tomé são as pessoas, referia-me também ao facto de certas pessoas à frente do poder judicial e policial serem as mesmas de há 30 anos. oiço acusações contra o meu pai, sugestões de vingança… e fico um bocadinho preocupado.
teme pela sua segurança?
sim. sou uma pessoa bastante racional e não gosto de coisas inúteis. quando vejo a energia despendida em ataques pessoais, em tentativas de sujarem o meu nome, de inventarem complôs… é uma perda de tempo. adiar eleições não é o caminho certo para as vencer. nem neutralizar um indivíduo. até porque se me neutralizarem, atrás de mim há uma visão política partilhada por muita gente. há um projecto político que não desaparecerá comigo.
chegou a dizer-se que a interpol estaria a investigá-lo.
são fantasias que não só não servem a imagem do nosso país como estigmatizam os africanos. são práticas inúteis e não me presto a esse folclore.
falou no seu programa de governo. o que diria que falhou e onde foi bem sucedido?
falhou o diálogo político com a oposição. tenho de reconhecer que, se chegámos a esta situação, foi porque algo também falhou do meu lado. de resto, creio que tivemos grandes sucessos. em termos de gestão macroeconómica, a união europeia, o banco mundial e o fmi reconhecem grandes progressos. em termos de reformas para um melhor clima económico também, em transparência, luta contra a corrupção, redução de riscos para os investidores… há, contudo, um sector em que não conseguimos alcançar as expectativas que é a educação, nomeadamente o equipamento escolar e o sector do ensino superior. a educação é uma política de longo prazo e num país jovem como o nosso está sujeita a uma grande pressão. necessitávamos de mais tempo. na saúde também não conseguimos gerir as expectativas. o exercício da governação não é fácil num país sem recursos. privilegiámos o crescimento económico para o exterior, com a captação de investimento. num país demasiado virado para dentro, isso gera a imagem de um governo desligado da realidade interna. mas aprendi com os erros.
estaria disposto a passar o testemunho a outro dirigente do partido?
é o que também tenho estado a fazer na adi, a preparar equipas e ‘viveiros’ de personalidades capazes de levar o projecto para a frente. porque quando falamos de estabilidade também falamos de tempo, de políticas de longo prazo. essa questão é perfeitamente pacífica para mim.
o que gostaria dizer aos parceiros internacionais?
que o que se passa em são tomé e príncipe não é uma ruptura, mas sim um parêntesis. e que esta crise será provavelmente a última, porque o que se passa é um conflito de gerações. e a minha geração é aquela que vai transformar o país no futuro, num país livre, transparente, ético e aberto ao investimento.