licenciada em marketing e publicidade, foi durante uma viagem pelo mundo que tomou a decisão de tornar-se fadista. conheceu um sucesso estrondoso com ‘perdóname’, um dueto com pablo alborán, e desde então já cantou com artistas como milton nascimento, chico buarque ou josé carreras.
na altura em que se prepara para dar o seu primeiro concerto em angola, carminho recorda a viagem que acabou por dar um novo rumo à sua vida.
a decisão de se tornar fadista profissional resultou de uma viagem de um ano pelo mundo. por que partiu?
sentia-me muito vazia. conhecia pouco do mundo, da humanidade, dos seres humanos. baseava-me na minha experiência para cantar, mas na verdade tinha vivido pouco. então pensei: ‘se as emoções são a matéria-prima do fado, preciso de viver experiências’.
foi sozinha?
fui sozinha, mas no início encontrei-me com uma prima. estive um bom bocado com ela, e depois foi cada uma para seu lado. é uma experiência de liberdade total, não há horários nem compromissos. conhece-se muita gente e uma pessoa reinventa-se diariamente.
reinventou-se como pessoa?
optei por mostrar-me. se formos sinceros, isso faz com que nos conheçamos melhor a nós próprios.
o que aprendeu sobre si?
aprendi a confiar no meu instinto. mantive uma postura de prudência e de confiança e fui sempre bem sucedida. e até estive em situações de perigo.
quais?
em banguecoque [tailândia], por exemplo, aterrei às duas da manhã e tinha de ir até à embaixada portuguesa. em vez de apanhar um táxi, apanhei um autocarro para uma central. achei que era fácil, até porque tinha um caderno com a morada da embaixada.
acabou por correr mal?
quando cheguei à central, percebi que tinha perdido esse caderno e não fazia a mínima ideia de onde estava. comecei a perguntar a toda a gente e eles só me respondiam ‘yes, yes, yes’. às tantas, lá me disseram para apanhar um autocarro e comecei a chatear o motorista, que me mandou sair. dou por mim no meio de uma via rápida, em banguecoque, uma das cidades mais perigosas do mundo.
como saiu de lá?
nessa paragem estava uma senhora e perguntei-lhe se ela queria dividir um táxi. às tantas, chegou um carro. pus a minha mochila e entrei lá para dentro, até que o condutor olhou com um ar muito admirado. era o marido da senhora. a minha cara de pânico era tanta que eles lá tiraram um mapa da cidade para lhes mostrar para onde queria ir.
mas tinha perdido a morada.
sabia que a embaixada era mesmo junto ao rio e achei que era fácil encontrar. o rio faz um s enorme, é uma das auto-estradas de banguecoque. agora vem a parte mística. muita gente pode não acreditar, mas foi o que me aconteceu. fechei os olhos, rezei, e pus um dedo no mapa. quando abri os olhos, tinha o dedo em cima de um ponto amarelo que dizia portugal.
nessa viagem também passou pela casa da madre teresa de calcutá.
foi o primeiro destino. sabia que ali ia ter uma experiência de voluntariado importante. queria dar o meu tempo, a minha energia, e conviver com pessoas que entregam a vida pelos outros.
essa consciência foi incutida pela educação dos seus pais ou pelos valores da igreja católica?
a educação dos meus pais não se divide da educação católica que tive.
em que momento da viagem percebeu que ia ser fadista?
no voo de regresso a lisboa. pensei: ‘posso ser o que quiser. por que não fazer o que mais gosto, que é cantar?’. antes achava que não era justo fazer vida profissional de um dom. depois percebi que aquilo que vou dar aos outros é a retribuição desse dom.
lembra-se de quando começou a cantar?
tenho uma fotografia minha com três ou quatro anos, de pijama, ao colo do meu pai, a ouvir fado. lembro-me das guitarras, de começar a pôr os discos e de gravar muita coisa com um microfone que tínhamos. quando comecei a cantar, a minha mãe nem forçava, nem proibia.
sendo ela fadista, ensinou-a?
sim, aconselhou-me sobretudo no gosto. cantar fado passa muito pelo bom gosto e pela forma como se escolhem os poemas, como se dizem as palavras. quando eu ia aprender um fado novo, não me deixava ouvir mais de duas ou três vezes para eu poder construir a minha interpretação.
quando foi a primeira vez que cantou em público?
no coliseu dos recreios, com 12 anos. era uma festa de angariação de fundos para o jardim zoológico e os filhos de vários artistas iam cantar. a minha mãe perguntou se algum de nós os quatro queria ir e eu fui a única que disse que sim. levou-me ao paquito, um dos grandes violistas de fado, para um teste. ‘se o paquito deixar, vai. se não, não vai, que eu não quero passar vergonhas’.
nessa época o fado era encarado como uma música de gente mais velha. na escola sabiam que cantava?
era difícil assumir. as pessoas não achavam cool e eu evitava falar, porque não gostava que maltratassem o fado. não escondia, mas preferia que não soubessem.