No plano económico o país atravessa um crescimento invejável; no campo diplomático o chamado neo-otomanismo do ministro dos Negócios Estrangeiros Ahmet Davutoglu – que promove o aprofundamento de relações com o Médio Oriente e Ásia com a máxima ‘zero problemas’ com os vizinhos – estava a ser um modelo de sucesso até ao ataque israelita à flotilha que se dirigia a Gaza e ao descambar da Síria.
Nada do exposto afasta Ancara da civilização europeia, assim resolvesse dois enormes problemas: a ocupação do Norte de Chipre e a questão curda.
Só que há cada vez mais dúvidas de que o partido no poder, o islamista AKP, esteja interessado em aproximar-se do Ocidente. A mais recente medida legislativa restringe ainda mais o consumo de álcool. Desde que Erdogan ascendeu ao poder que os impostos sobre as bebidas alcoólicas subiram, a publicidade na TV foi proibida, bem como o consumo em parques e em campus universitários. Mas a partir do momento em que a lei for ratificada pelo Presidente Gul, todas as imagens que passarem na TV com bebidas espirituosas serão desfocadas, a venda proibida a menos de 100 metros de mesquitas e escolas e em todo o lado a partir das 22h (excepto em bares).
O primeiro-ministro dá uma no cravo e outra na ferradura: alega que a lei é uma questão de saúde pública, mas por outro lado diz que aquela foi «ordenada pela fé». Se juntarmos a esta medida outras tentativas falhadas (criminalizar o adultério, banir o álcool nos voos da Turkish Airlines e o bâton vermelho nas hospedeiras ou os beijos no Metro de Ancara) a outras já alcançadas (fim da proibição do uso do lenço islâmico e das escolas religiosas), ficamos com um pequeno retrato de como o legado secularista de Mustafá Kemal Ataturk está em risco de desaparecer para dar lugar a uma sociedade cada vez mais conservadora e intolerante.