Bater no fundo

Nos últimos tempos têm surgido, com muita frequência, relatos de famílias que se separam no papel, mas que na vida real são obrigadas a manter-se juntas.

como não dispõem de condições financeiras que lhes permitam seguir rumos diferentes, são obrigadas a aturar-se debaixo do mesmo tecto. deve ser uma situação, no mínimo, complicada, para não a adjectivar de uma forma mais cruel.

a capacidade de sofrimento muitas vezes acaba mal, pois as pessoas vão ganhando anticorpos que chegam a um ponto de já não se poderem ver, acabando a história, por vezes, de forma menos pacífica. quando isso acontece não resta outra alternativa a uma das partes senão fazer-se à vida e viver debaixo de outro tecto, nem que seja o das estrelas. a crise tem, de facto, obrigado muitas pessoas a engolirem sapos vivos. como já disse, não tenho por hábito criticar a vida dos outros. cada um sabe o peso da cruz que suporta, mas não gosto que me contem episódios escabrosos e depois se comportem como se nada se tivesse passado. penso que há limites para a dignidade humana.

se na vida pessoal e profissional não é fácil descobrir que acreditámos em mentiras, o que dizer de quem nos governa? tenho escrito diversas vezes que não vejo grandes alternativas para a crise que atravessamos. sempre tive para mim que a estabilidade é o maior dos pequenos trunfos de que dispomos. ou até o único. mas penso que esse trunfo só o é quando há um mínimo de dignidade de quem nos comanda (queiramos ou não). os acontecimentos da semana passada ultrapassaram tudo o que se poderia esperar. fazendo a analogia com a vida de um casal, o que se passou foi que a mulher (ou o marido) chegou a casa e disse taxativamente que se ia embora, pois não conseguia viver mais com o marido (ou mulher), e que nada a (ou o)faria voltar atrás.

depois de anunciar isso no condomínio onde vivia, foi-se embora. dois dias depois, mais coisa menos coisa, foi ter com o ex-marido (ou ex-mulher), depois dos ataques de familiares, amigos e inimigos, e disse que voltaria mas só se ficasse com a opção de gerir o orçamento da casa. também fez saber que não se importava que lá em casa se continuasse a fazer as compras do mês na mercearia da esquina. portas bateu no fundo e coelho foi atrás em nome da estabilidade do país. a relação vai acabar mal, é inevitável, e ninguém se vai ficar a rir.

vitor.rainho@sol.pt