Pedro Moutinho: ‘Não ando aqui por razões fúteis’

O Amor Não Pode Esperar é o quarto disco de Pedro Moutinho e o registo ficou marcado pela perda do seu pai, que morreu um mês e meio antes de Pedro entrar em estúdio. Irmão mais novo de Camané, o fadista admite a influência familiar, mas acredita que não precisou de pedir emprestado o sucesso…

o seu novo disco chama-se o amor não pode esperar, um sentimento universal no fado. porque quis cantar esta temática?

esse título só foi escolhido quando o repertório já estava reunido e percebemos que os poemas eram muito à volta do amor, da esperança, e de como uma coisa leva à outra. neste caso, não tem só a ver com o sentimento entre homem e mulher, mas também o amor que se sente pela família e pelos amigos. ‘o amor não pode esperar’ é uma frase do poeta brasileiro carlos drummond de andrade, incluída no poema preciso aprender a ser só, e achei que fazia todo o sentido porque o disco também foi gravado posteriormente a ter perdido o meu pai, uma fase muito complicada, de muita dor e saudade.

em que medida esse estado de espírito influenciou o disco?

quando ele morreu já tinha escolhido os poemas que ia gravar, mas depois parece que tudo fazia um sentido. entrei em estúdio um mês e meio depois e ainda estava com aquele sentimento muito à flor da pele, por isso é natural que esta perda tenha influenciado a interpretação.

o disco é escrito maioritariamente por mulheres. porquê?

quando escolhi o repertório nem me apercebi disso. da mesma maneira que não pensei em fazer um disco de amor, também não pensei em pedir maioritariamente a mulheres para o escrever. o que fiz foi pedir a pessoas com quem tenho relações de amizades e com quem tenho trabalhado muito – como a amélia muge, a manuela de freitas, a aldina duarte – para escreverem. há uma grande identificação e acho que elas são, indiscutivelmente, as melhores pessoas a escrever para fado.

fez encomendas ou foram poemas oferecidos por elas?

algumas. por exemplo, o single ‘rua da esperança’ nasceu de uma conversa com a amélia, há cerca de dois anos, quando comecei a perceber que estava na hora de preparar um novo disco. pedi-lhe um fado mesmo com esse nome, fomos almoçar à rua da esperança para conhecê-la melhor e depois a amélia acabou por voltar sozinha, dias seguidos, para tirar apontamentos. é um tema que fala para toda a gente, porque todas as pessoas precisam de esperança em tudo o que fazem na vida.

nunca sentiu a tentação de se aventurar na escrita?

já tentei mas não tenho jeito. e depois tenho estas pessoas, minhas amigas, que escrevem tão bem e com quem tenho uma química especial.

voltou a chamar para produzir o álbum carlos manuel proença, uma pessoa que conhece há 20 anos. é fundamental trabalhar com pessoas de extrema confiança?

sem dúvida. confio plenamente no carlos e nos músicos que me acompanham e não ponho em questão a criatividade que têm. muitas vezes acontecia não ter ouvido os arranjos, só saber o que tinham feito para cada tema quando chegava ao estúdio, e gostava sempre muito do que encontrava.

lançou o seu primeiro disco há dez anos. qual o balanço?

é muito positivo. há dez anos andava aqui com medo de tudo e de todos. esta década deu para ganhar maturidade, crescer como fadista e aprender com os erros.

já sente que é olhado como pedro moutinho e não como o irmão mais novo de camané?

sim, já sinto mesmo isso e cada vez mais. acho que ao fim deste anos todos o gosto que tenho pelo fado e por cantar passa para as pessoas. não ando aqui por razões exteriores ou fúteis ao meu amor pelo fado.

mas é um privilégio ter sido influenciado por ele?

nesse aspecto cresci num berço de ouro. ia para os fados com o meu pai e os meus irmãos sem ainda saber o que o fado era. era muito criança mesmo. os fados eram a festa que acontecia ao fim-de-semana, porque o fado é isso mesmo, uma festa, em que as pessoas cantam e as outras estão em silêncio a ouvir, até que chega um intervalo e dá-se a festa total. foi assim que fui educado. canto por inspiração e o fado nasce de eu sentir que estou a ser ouvido.

apesar dessa herança familiar, nunca gravaram juntos. porquê?

isso era banalizar. adoraria gravar com eles, mas cada um tem carreiras distintas e faz o seu caminho. não está completamente posto de lado, mas nunca premeditámos isso. se tiver de acontecer, acontecerá naturalmente.

neste disco gravou os temas ‘eu tenho um fraquinho por ti’, de fausto bordalo dias, e ‘preciso aprender a ser só’, de marcos valle, tornado conhecido por elis regina. não se sente preso ao fado?

eu sinto-me preso ao fado porque sou um fadista acima de tudo. cantar temas que não são fado tradicional são momentos de liberdade porque sou uma pessoa livre.

alexandra.ho@sol.pt