” este governo arrisca-se a ter dois oe chumbados pelo tc. isto não é um factor de instabilidade?
é um problema delicado. o tc ultimamente tem vindo a ser obrigado a pronunciar-se sobre questões em que a percentagem política em relação à percentagem da juridicidade é muito grande. portanto, isso leva a que o grau de convencimento que a fundamentação dos acórdãos consegue ter é menor do que noutras circunstâncias. é claro que o tc não tem que dizer qual deve ser a solução que deve ser adoptada, mas tem que ter subjacente e tem que perpassar a ideia de que há outras soluções possíveis e viáveis porque senão fiat justitia, et pereat mundus [haverá justiça, ainda que o mundo acabe].
o tc deve sugerir alternativas?
não, tem que actuar no seu raciocínio de modo a que as pessoas percebam que há outras alternativas realistas. se a ideia fosse mergulhar metade do país com diques debaixo de água, seria inaceitável.
acha que passos pressionou o tc ao pedir-lhe responsabilidade?
talvez tivesse preferido que não o tivesse dito. talvez por uma questão de cautela, para que essa discussão não se pusesse.
passos deveria demitir-se, como chegou a ser sugerido por antónio pires de lima?
seria muito mau para o país que o pm interpretasse o acórdão assim. isso não é desejável. o pm não deve sentir-se beliscado na sua capacidade se o tc vier a declarar alguma coisa inconstitucional.
confia que este governo ainda vai cumprir os seus objectivos?
não temos grandes alternativas. um novo governo com eleições, neste momento, tem custos enormes. perdia-se muito tempo e os resultados não seriam particularmente diferentes. nada que não se possa conseguir através de uma remodelação, mantendo-se o pm e mudando alguns membros do governo menos eficazes.
vítor gaspar?
é um homem competente no que está a fazer bem, na parte relacionada com a dívida externa. mas parece-me olhar só para um lado do problema e deixar desamparado o ministro da economia, que tem de vez em quando rasgos interessantes, mas que tem tido alguma dificuldade em se adaptar à realidade. neste capítulo, o ministro das finanças tem sido exageradamente apoiado pelo pm. é necessário haver uma acentuação diferente da governação, sem abandonar a austeridade, que, suponhamos, neste momento ocupa a atenção do governo em 98% e deve passar a 85%. por outro lado, a remodelação tem outras vantagens. dá um novo élan ao governo e uma renovada esperança às pessoas.
o governo está esgotado?
muitas pessoas estão cansadas ou provaram que nunca estiveram ou não estão, neste momento, adequadas ao posto que exercem. por outro lado, o governo não tem tido a preocupação – e o ps tão pouco – de conjugarem esforços. parece que o ps não assinou o memorando de entendimento e que o governo liga relativamente pouco, embora ultimamente tenha parecido mais interessado, à necessidade de um acordo com o ps em questões essenciais. podemos ter dois esquemas possíveis. um, que não me parece o melhor, que seria um governo em que participasse o ps. não seria desejável pelas dificuldades de coordenação que suscitaria e ainda por cima porque retirava à oposição um elemento integrador extremamente importante. o ps na oposição pode desempenhar um papel importante de fiscalização. mas há matérias fundamentais em que deviam estar de acordo e isso poderia ser feito por um pacto, ou acordo de incidência parlamentar, naturalmente sob a égide ou com a bênção do pr.
está a ver estes dois homens, passos e seguro, a conseguirem ainda entender-se?
as quezílias do dia-a-dia da actividade política não me parecem ser ódios pessoais. a relação poderá não ser grande coisa, mas de vez em quando temos que engolir um sapo. o que está em jogo é tão importante! eu não pretendo uma coligação no governo, mas uma cooperação de salvação nacional. devia haver um pacto de incidência parlamentar que fosse cumprido de boa-fé e que as pessoas não se atraiçoassem ao virar da esquina. e por isso seria importante que o garante fosse o pr.
poderão já haver alguns esforços da presidência nesse sentido?
admito que haja uma predisposição nesse sentido. parece-me razoável. mas não tem havido uma grande aceitação por parte dos destinatários, pm e ps.
e se isso não acontecer, o ps acabou de apresentar uma moção de censura ao governo, como vê as condições políticas nos próximos tempos?
estamos a viver, do ponto vista político, num total irrealismo. dá a sensação que estamos a viver numa altura relativamente tranquila, como se não houvesse memorando de entendimento, troika, limitações. de vez em quando a oposição propõe gastos absurdos e o governo vive como se não precisasse do apoio do ps. isso é importante não apenas para o funcionamento das estruturas políticas de topo, mas também em matéria de coesão social.
revê-se na linha deste psd que está no governo?
não se pode responder sem esquecer o contexto muito particular que vivemos. estamos numa situação em que há uma grande pressão sobre o estado português em aspectos importantes, muito sensíveis para a social-democracia, como o estado social. não se pode praticar uma política mais acentuadamente social-democrata, socialista ou democrata-cristã, porque não têm meios para se diferenciar. o país precisa ser governado ao centro e com equilíbrios, de modo a evitar conflitualidade. é positivo que as pessoas protestem e mostrem que estão conscientes que as medidas gravosas devem ser reexaminadas com cuidado, para que não se cometam erros graves. mas se ultrapassarmos um determinado limite… acabar com o estado social seria uma desgraça total. não sei o que seria pior, se isso ou a bancarrota.
daí o desconforto de algumas figuras do psd.
existe um desconforto, mas a primeira questão que se põe é: é possível fazer uma política radicamente diferente? não, mas é possível fazer alguns acertos, sim. é possível fazer um discurso que incuta mais esperança às pessoas, acentuando aspectos de um futuro que será melhor do que o presente e que estamos numa situação transitória. é importante as pessoas terem esperança.
quais os pontos mais fracos do governo, a insensibilidade social, a falta de coordenação política, a economia?
a política de austeridade deve ser acompanhada de uma política fiscal que atraia investimento estrangeiro e impulsione as nossas exportações. o nosso ordenamento fiscal tem que ser mais competitivo para atrair depósitos e capitais. precisamos arrecadar receita ou precisamos apoiar a economia e ter liquidez? temos que pensar a longo prazo. a política fiscal tem sido de curto prazo e um bocadinho míope. e não me parece bem que a política fiscal mude com muita frequência, porque isso afasta a confiança dos investidores estrangeiros. por inabilidade do governo ou por pressão, não tem havido grande preocupação em manter estabilidade fiscal. a política fiscal é muito importante e tem sido quase exclusivamente orientada para a obtenção de receitas imediatas, daí a carga fiscal que temos. já estamos numa situação de fadiga fiscal muito grande.”
entrevista originalmente publicada na edição 2012, de 05/04/2013, do sol