‘O cinema pode ser complexo sem ser hermético’

O novo filme de François Ozon, Dentro de Casa, combina suspense, thriller psicológico e sátira de costumes. O cineasta francês falou com o SOL sobre o sucesso mundial do filme, que só em França fez mais de um milhão de espectadores.

é um realizador bastante conhecido em frança e tem um público igualmente fiel no resto da europa, mas dentro de casa tem sido apontado pelos críticos como o filme que o vai tornar conhecido no resto do mundo. o que tem de tão especial?

sinceramente não sei. é verdade que o filme teve muito sucesso em frança e em outros países como inglaterra, mas nunca se sabe se vai funcionar ou não. é uma questão de sorte. acho que o facto de ser sobre o meu próprio processo de trabalho, sobre construir uma história e contá-la, fez com que as pessoas se interessassem. além disso, é um filme bastante agradável, ligeiro, fácil de assistir e o espectador envolve-se rapidamente na história, muito interactiva. há um lugar para o espectador e qualquer pessoa tem a sensação de que pode decidir o seu final.

é um auto-retrato?

não exactamente, mas há ali muito de mim, da forma como trabalho. as perguntas que questiono quando estou a escrever um argumento são muito semelhantes às do jovem estudante do filme: qual o género que quero fazer?; o que quero das personagens?; como não aborrecer os telespectadores?

disse que nunca sabe se um filme vai funcionar. precisa sempre da aprovação do espectador para medir o seu próprio talento?

quando se está a acabar um filme está-se meio cego. não há distância suficiente para saber se estamos a tomar as opções certas. tenho sempre a sensação que o que resulta é bom e que dei o meu melhor, mas na história do cinema há muitas obras de arte que foram grandes floops quando foram lançadas, mas muitos anos depois foram redescobertas.

tem oscilado muito entre dramas e comédias, mas, embora aborde histórias complexas, evita intelectualizar os seus filmes. é a obrigação de qualquer realizador?

não tenho problema nenhum com filmes intelectuais, este é que não pedia isso. e o cinema pode ser complexo sem ser hermético. para mim fazer um filme é um jogo, algo muito infantil, de uma criança a jogar com os seus brinquedos.

além da relação autor-leitor que o filme explora, outro tópico de dentro de casa é a vida familiar, um assunto recorrente na sua obra…

sim, gosto muito de falar sobre famílias. neste caso é a história de um jovem rapaz que, ao regressar da escola, começa a observar uma família de classe média. ele tem um fascínio qualquer por esta família e não se sabe exactamente se a quer destruir ou fazer parte dela…

que fascínio é esse por famílias?

muitos dos meus primeiros filmes eram sobre famílias destruídas, se calhar porque tive uma adolescência algo dolorosa e difícil… mas com o tempo e a devida distância, percebi que todas as pessoas precisam de uma família, mesmo que ela seja, na sua maioria, um lugar de relações muito neuróticas e problemáticas. e isso é muito interessante de explorar num filme.

é assumidamente homossexual e o governo francês aprovou recentemente o casamento gay, mesmo com toda a contestação de que foi alvo. ficou surpreendido?

acho que o estrangeiro ficou mais surpreendido do que os franceses. toda a gente acha que frança é um país de liberdades, mas em tempos de crise as pessoas voltam-se muito para os ideais conservadores. esses protestos surgiram por uma profunda ignorância sobre o que é a vida e o amor.

desde 1990, faz um filme por ano. numa indústria cada vez mais debilitada a nível financeiro, como consegue?

não é fácil, mas o facto dos meus filmes não serem muito caros e de trabalhar rapidamente ajuda. ter o fabrice luchini, um actor muito conhecido e adorado em frança, como protagonista também facilitou o processo de encontrar financiamento. mas gosto sempre de estar próximo da produção para saber quanto dinheiro tenho e o que posso fazer com ele.

ainda assim, para fazer um filme por ano é preciso ser mesmo diligente…

e se conseguisse cortar o tempo que perco na promoção do filme e tivesse mais dinheiro, fazia dois filmes por ano!

steven spielberg disse recentemente que hollywood está prestes a implodir por causa dos orçamentos cada vez mais elevados. como é a situação em frança?

bastante diferente. o problema actual de hollywood é que eles só estão concentrados nas grandes produções e, para uma indústria saudável, é muito importante ter uma grande variedade de géneros. em frança temos um cinema rico, com um bom equilíbrio entre filmes de autor e blockbusters.

nunca pensou em trabalhar fora de frança?

não! já tive muitas oportunidades, mas estou bem em frança, nunca tive vontade de sair. consigo financiamento para filmar, tenho liberdade total para fazer o que quero, posso trabalhar com os actores de que mais gosto… para quê mudar-me? o tipo de filme que faço já nem sequer existe na américa e eu não estou interessado em fazer filmes de acção. isso não é para mim.

e se tiver uma proposta que lhe agrade?

todas as propostas que me fizeram até agora eram más, mas além disso acho que hollywood respeita-nos quando trabalhamos no nosso país. quando vamos fazer um filme lá, destroem-nos e eu não quero ser destruído por hollywood. especialmente quando tenho exemplos de pessoas como pedro almodóvar, que já teve imensas propostas para trabalha lá, e continua a preferir espanha e a ter sucesso.

alexandra.ho@sol.pt