Jorge Quintela: ‘O cinema é um carrossel’

O Sol falou com o realizador poucas horas depois do veredicto do júri. Na sua voz havia ainda alguns resquícios de surpresa e incredulidade. E felicidade, obviamente. Antes de lhe lançar a primeira pergunta, ele disparou: “Viu o meu filme? O que achou?”.

carosello é (aparentemente) uma obra simples e despretensiosa. dois planos fixos sobrepostos e um texto, também ele, com várias camadas.

este jovem realizador ganhou o prémio de melhor curta no fest 2012, com o amor é a solução para a falta de argumento, e no currículo tem uma vasta filmografia como realizador e director de fotografia.

o que são estes ‘filmes de bolso’?

chamo-lhes ‘filmes de bolso’ porque a lógica de produção é muito sucinta e reduzida. as premissas são: apenas um plano e a ideia de movimento dentro do plano. e são filmes curtos.

há para mim uma grande referência, no processo de aprendizagem e de companheirismo no trabalho: o realizador paulo abreu. tem uma série de filmes que são os pocket movies. os meus ‘filmes de bolso’ são uma clara homenagem a ele.

outra das particularidades destes dois filmes (ausstieg e carosello) é que nenhum dos dois é falado em português. o de 2010 é em alemão e este em italiano.

o processo embrionário destes filmes são imagens ou planos que fiz em viagens de trabalho, partindo de um princípio meramente plástico. ao rever as imagens, decido as partes que vou usar. há, por isso, algo que não estava previsto quando capturei as imagens. toda a construção do filme é feita à posteriori. no caso do carosello, acrescentei outra camada. essa, sim, pensada para a construção do filme. depois de trabalhada a ideia, há a parte do texto, escrito pelo pedro bastos, que colabora comigo há muitos anos. o que propus ao pedro foi pensar num texto do ponto de vista português, sobre determinada cultura ou país.

pede-lhe que crie um texto a partir da imagem?

sim. é esse o processo. ao visionar as imagens escolho o que me interessa e crio uma personagem. ao ver a imagem do carrossel, imaginei um reformado italiano a pensar sobre a vida. das poucas coisas que lhe disse foi que falasse do pai e da austeridade do pai. no fim pensei: ‘será que um italiano se vai rever neste filme?’

tem trabalhado num registo experimental ou com suportes pouco comerciais (super 8, 16 mm). é uma opção estética?

cada filme pede um suporte e cada lógica de produção também. o mais importante é conhecer os diferentes suportes e perceber qual o mais funcional para cada caso. não há formatos superiores ou inferiores. cada um tem as suas características.

o lado da experimentação é certo. tenho um certo fascínio por determinados suportes que hoje em dia são mais usados com um carácter experimental. por exemplo, o facínora, do paulo abreu, foi gravado em super 8 – eu fotografei o filme – e é um filme clássico. para este caso era o formato mais adequado. era essencial ser em película.

é realizador e director de fotografia. em que papel se sente mais confortável?

honestamente, acho que o mercado em portugal é tão pequeno que as pessoas têm de se ajudar mutuamente. é preciso ter competências diferentes. esta partilha existe como necessidade, num país onde a produção é muito escassa.

o cinema português vive uma espécie de impasse, nomeadamente pela suspensão dos subsídios do ica. isto pode significar um recuo na carreira de jovens cineastas?

esta falta de consciência do quão importante é a cultura, e neste caso o cinema, para um país é um atraso. cria um entrave enorme para a cinematografia portuguesa. há sempre formas de continuar a produzir, mas implicam um esforço gigantesco para as pessoas que o fazem. obviamente, à medida que se reduz o apoio, as coisas ficam mais difíceis.

como associado do bando à parte, que aliás também produziu o filme vencedor do prémio do público da competição nacional luminita, tem presentes essas dificuldades?

o rodrigo areias é o responsável da produtora e é um óptimo realizador e exímio produtor. mas nessa convivência vou tendo consciência das dificuldades. vou percebendo e discutindo e vou arranjando formas de continuar a produzir. e tentamos recuperar filmes que não tiveram o melhor caminho.

não havendo apoio do estado, qual será o caminho para o cinema português continuar a financiar-se?

não quero ser fatalista, mas não há caminho. ouve dizer-se, muitas vezes, que certos filmes foram feitos sem financiamento. isso não é necessariamente bom. as pessoas trabalham e têm de viver. quando se faz um filme sem apoios, tem que se abdicar de uma série de outras coisas. o apoio do ica é fundamental. por outro lado, esse financiamento, apesar de ser insuficiente, dá-nos alguma liberdade. há um acreditar, sem pedir muito em troca.

diz isso porque o outro caminho seria ser financiado por dinheiros privados…

sim, que obviamente exige outro grau de compromisso.

apesar da falta de apoios ao cinema, a produção nacional de 2012 foi significativa. esteve envolvido em algumas dessas produções, como ‘guimarães capital da cultura 2012’.

aconteceu que, num período em que a produção estagnou em portugal, guimarães concentrou toda a produção nacional de cinema. isso foi uma espécie de oásis.

a minha experiência foi muito enriquecedora. houve uma constância de trabalho e isso permitiu-me conhecer muitos realizadores que admiro imenso (portugueses e estrangeiros). tudo isto fortalece uma equipa. conhecem-se pessoas novas e outras que estão na mesma luta e que querem que os filmes aconteçam. isto só se pode passar com a ajuda financeira de uma entidade.

em 2006 joão nicolau foi o primeiro português a ganhar este prémio com a curta-metragem rapace. em 2013, apesar do desalento da produção nacional, carosello leva para casa este grande prémio. como se recebe uma (boa) notícia como esta?

para mim, é o prémio mais importante em portugal. pela relação que tenho com o festival, pela admiração que tenho pela programação e porque faz parte da minha história como operário do cinema. o prémio foi uma grande surpresa, porque estava na cerimónia por ser júri do take one! e porque ia entregar um prémio. tinha submetido o filme à competição experimental – e perguntaram-me se me importava de estar na competição nacional, o que para mim já era óptimo. o filme tem como base uma produção tão reduzida, que me o prémio me surpreendeu mesmo. ainda estou a digerir a surpresa.

depois deste prémio algo vai mudar para si?

não sei. em 2011 tive um projecto financiado mas que não foi possível fazer. voltarei a trabalhar com o pedro bastos e com o bando à parte. depois disto, é provável que as pessoas estejam mais atentas ao meu trabalho. o prémio suscitará a curiosidade para o próximo filme. e depois tudo seguirá o seu curso natural.

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