Mantenha-se calmo e viaje

Qual o meio de transporte mais seguro? Os acidentes das últimas semanas recuperaram velhos receios e interrogações. Mas as estatísticas podem ajudar a serenar os fóbicos: andar de comboio, autocarro ou avião continua a ser menos perigoso do que viajar de automóvel. Ou caminhar.

se está de malas feitas para uma viagem – e é bem provável que esteja nesta altura do ano –, estes não têm sido bons dias para ligar a televisão ou folhear um jornal. tragédias ferroviárias, desastres de autocarro e acidentes aéreos têm dominado as manchetes. o resultado é um sentimento generalizado de insegurança que, na verdade, deve mais aos meios de comunicação do que à incompetência de maquinistas e pilotos de avião, ao mau estado das estradas e ferrovias ou às falhas das máquinas que as percorrem. quando ocorre um incidente grave, jornalistas e grande público tendem a estar mais atentos a eventos idênticos. mas por trás das recentes más notícias há uma realidade bem mais simpática: é cada vez mais seguro viajar, ainda que os acidentes continuem a acontecer.

enquadremos os recentes acontecimentos nas estatísticas, começando pelos ares. o ano de 2012 foi o mais seguro para viajar de avião desde 1945 (quando, terminada a segunda guerra mundial, o transporte aéreo democratizou-se), com apenas 23 acidentes fatais e um total de 475 vítimas mortais, segundo a aviation safety network. ou seja, menos de metade das 1.147 mortes registadas no ano 2000, e menos de um quarto das 2.000 sofridas em 1985. decorrido mais de metade de 2013, vamos a caminho de um novo recorde de segurança: o mesmo observatório da fundação internacional de segurança aérea regista até esta semana apenas 12 acidentes fatais e um total de 63 mortes.

estes valores reforçam o estatuto do avião como o meio de transporte mais seguro. no ano passado, o investigador do mit arnold barnett estimou que a probabilidade de morrer num desastre aéreo seja de uma em 45 milhões. ou seja, um indivíduo poderia voar todos os dias durante 123.000 anos até ser vítima de um acidente fatal.

utilizando outros cálculos e não sendo por isso as suas conclusões directamente comparáveis com as pesquisas do mit, o site de verificação de factos politifact mantém o avião no pódio da segurança, estimando a taxa de mortalidade por passageiro-milha (uma medida de referência que resulta da multiplicação do número de viagens feitas por cada passageiro pelo número da distância média percorrida) em 0,003 por cada 100 milhões. nessa mesma escala, o autocarro apresenta um valor de 0,05, o comboio 0,06 e o automóvel ligeiro 0,61.

o conselho nacional de segurança dos estados unidos, uma organização não-governamental, também indica que andar de automóvel é provavelmente a forma de deslocação mais perigosa. considerando a esperança média de vida de um norte-americano (79 anos), a probabilidade de este vir a sofrer um acidente de viação fatal é de 1 em 415. andar a pé não é muito mais seguro (1 em 749). já a probabilidade de morrer no ar – o que inclui voos militares, para além dos voos civis – é de apenas 1 em 7.229.

em portugal não se conhecem estudos semelhantes, mas alguns números ajudam também a desdramatizar os riscos de viajar em território nacional. tendo em conta os 153 milhões de passageiros transportados anualmente pelos caminhos-de-ferro lusos e os 236 milhões transportados pelos metropolitanos de lisboa e porto (ine, 2010), a frequência de acidentes ferroviários fatais é consideravelmente baixa. o último incidente grave aconteceu em 2008 na agora extinta linha do tua, vitimando três pessoas.

à memória salta contudo a tragédia de 11 de setembro de 1985 em alcafache, quando dois comboios colidiram à passagem daquela localidade da zona de mangualde. vinte e sete anos depois, não se conhece o número exacto de vítimas, mas estima-se que tenham perecido mais de uma centena de pessoas.

a confiança dos portugueses nos seus caminhos-de-ferro permanece contudo inabalada pelos episódios passados ou pelas notícias que chegam de espanha e da suíça. contactada pelo sol, a cp diz não ter registado qualquer perturbação ou nervosismo por parte dos seus passageiros nos últimos dias.

no sector aéreo nacional, que transporta cerca de 10 milhões de passageiros por ano e onde a tap continua a ser reconhecida como uma das companhias mais seguras do mundo, é preciso recuar ao século passado para recordar o último acidente de grandes dimensões – a queda de um atp da sata em são jorge (35 mortos a 11 de dezembro de 1999).

no transporte rodoviário de passageiros, portugal regista três acidentes graves num período de pouco mais de uma década: o de entre-os-rios (59 mortos no ano 2001), o da a27 em vila velha de ródão (17 mortos em 2007) e o da sertã (11 mortos em janeiro último).

é contudo ao volante do seu próprio destino que os portugueses mais riscos correm e causam. no ano passado, 580 pessoas morreram e 35.727 ficaram feridas em acidentes de viação – a maioria envolvendo veículos ligeiros.

pedro.guerreiro@sol.pt