‘É bizarro ver o CDS a caminhar para o centro e o PSD para a direita’

Ex-apoiante de Ferreira Leite, José Eduardo Martins alerta: se o CDS tivesse um líder com outra credibilidade, a relação de forças à direita poderia ser invertida. O PSD, diz, é o partido de um líder ausente.

acredita neste governo?

acredito que vai completar a legislatura, que é provavelmente a mais difícil que vivi. há que cumprir a legislatura, acabar o melhor possível o memorando da troika e rever os prazos e termos de pagamento da dívida.

este governo remodelado é melhor ou pior do que o primeiro?

nos propósitos e em alguns protagonistas, é substancialmente melhor. passou a haver ministério do ambiente e da economia. sucede que essas coisas boas e novas surgiram fruto de uma enorme trapalhada e não de uma vontade determinada do primeiro-ministro de mudar de rumo. o novo discurso é fruto da necessidade e não da convicção de juntar crescimento à consolidação orçamental. esse discurso que o cds, com um pé dentro e um pé fora, quis protagonizar é agora o discurso oficial do governo, mas, repito, resulta da atrapalhação em que o primeiro-ministro se viu durante a crise. o clima entre o psd e o cds, por muitas juras de amor que façam em público, está, de facto, deteriorado.

acredita em mais dois anos com dois líderes que não têm uma boa relação?

os líderes precisam ter sentido de responsabilidade. precisam ser leais, não precisam ser amigos. outro episódio como o do mês passado implicará a erosão definitiva da credibilidade destes protagonistas.

o cds manda mais no governo do que o psd?

o cds tem as pastas-chave. ficou com a negociação da troika, praticamente tutela a ministra das finanças, o que é uma coisa estranha… para um militante do psd passa-se aqui uma coisa bizarra que é o psd a caminhar para a direita e o cds para o centro. não é aquilo que a maioria dos militantes do psd esperava de um governo social-democrata em tempos de extrema dificuldade. o cds quer protagonizar o discurso do crescimento, da aproximação ao centro, da preocupação com as pessoas. quer passar a ideia de que é um partido mais atento ao que se está a passar e menos estribado nesta convicção zelosa do ajustamento quase como castigo.

ideologicamente falando, sente-se hoje mais perto do cds do que do psd?

não, mas ideologicamente não sei onde está o psd. o psd é hoje o partido de um presidente literalmente ausente. parece que nem sequer conduz as reuniões da comissão política. o presidente do psd tem um conjunto de convicções que vai pondo em prática praticamente sem oposição. e tem uma direcção que não é verdadeiramente uma direcção política. na semana passada, a primeira intervenção pública do coordenador ou vice-presidente ou presidente em exercício foi desastrada. dar uma conferência de imprensa sobre swaps para perguntar se o documento tinha sido reportado ao mp, era perguntar se tinha sido denunciado à polícia o autor [joaquim pais jorge] de um documento que nós tínhamos levado para o governo. é uma tonteria em ponto de rebuçado. as pessoas gostam de ser tratadas com inteligência. o psd não tem sabido fazer isso.

acha que marco antónio costa pode ser o próximo líder do psd?

deus nos livre, mas tudo é possível.

o caso dos swaps manchou também este governo?

a senhora ministra não podia, em circunstância alguma, rodear-se de colaboradores cujo currículo estava ligado ao lado de quem tinha andado a vender o que agora diaboliza. não podemos achar que os contratos são maus e contratar para os resolver quem os andou a propor.

é muito crítico da governação. qual seria o caminho alternativo?

desde o início, ter percebido que um modelo de reajustamento rápido com mezinhas liberais de há 20 anos, à direita do que é o tradicional psd, ainda por cima sem começar por fazer a reforma do estado, não ia funcionar. andámos dois anos a aumentar impostos sem cuidar do essencial.

o cds alertou para isso.

sim, mas o discurso e a prática são coisas diferentes. a coisa mais perturbante é a circunstância em que o psd decidiu dar esta guinada para a direita, enquanto o cds decidiu aproximar-se do centro, onde estão as pessoas. se o cds tivesse um líder com outra credibilidade podia ter sido invertida a relação de forças à direita de forma inédita.

passos, enquanto pm, é um líder fraco?

tem revelado qualidades: resiliência, convicção no limite da teimosia – características que sempre teve. portugal decidiu apostar num pm que nunca tinha conhecido a administração pública para enfrentar a maior tormenta que já nos tinha acontecido. é uma pessoa com auto-estima muito elevada, que há muitos anos se sente preparada para uma missão e que acha que a está a executar. não tenho dúvida que disputará as próximas legislativas.

helena.pereira@sol.pt