Viana, a rainha das romarias

Corria o ano de 1908 quando Viana do Castelo recebeu pela primeira vez a ‘Parada Agrícola’. Nasceu como um retrato socioeconómico da região, então centrada na pecuária. Ao longo dos cem anos que se seguiram, o cortejo foi reflectindo as mudanças que atravessaram aquelas paragens.

elias fernandes, o encarregado da construção dos carros, já vai no seu 20.º cortejo. “todos os anos muda o tema, mas também a maneira de construir. hoje usamos materiais mais práticos e vamos aperfeiçoando a técnica. há 20 anos usava-se quase só madeira e ferro. antes uma imitação de uma parede de pedra era feita de madeira pintada. hoje é com esferovite. é mais real, mais leve e mais fácil. vamos tentando superar a fasquia da qualidade. como a caravela, por exemplo, nunca tínhamos feito uma. ficou espectacular. é uma réplica toda em madeira”, continua, referindo-se a um dos seis novos carros que foram construídos para este ano. os outros 24 foram reciclagens de carros construídos no passado. a falta de verbas é a principal razão desse reaproveitamento.

“o último elemento a desfilar foi um carro feito nos anos 40, que sublinha a importância dos estaleiros, da pesca e do mar para a nossa cidade”, revela josé luís oliveira, um dos actuais responsáveis. foi quase há 30 anos (1984) que tomou – “com o dr. francisco sampaio” – as rédeas da celebração. “começámos a enveredar pela temática do turismo, nas suas mais variadas formas: religioso, feiras e artesanato. há dez anos decidimos fazer cortejos temáticos. já o dedicámos ao ouro de viana, à cerâmica, a pedro homem de mello, à doçaria e ao vinho. sempre com uma entrada histórica, passando para a etnografia. este ano o tema foi o mar”.

em 2013 houve algumas novidades, como os 60 atletas que se juntaram ao desfile, enfatizando a aposta da cidade nos desportos náuticos.

o responsável explica-nos também que este ano o desfile foi composto por 20 quadros. um quadro é “uma espécie de acto [cénico] com vários elementos que contam uma história”. para as mais de três horas de romaria, os organizadores trabalham num guião – semelhante ao de um filmes ou peça de teatro – durante vários meses.

a parte histórica, este ano, enfatizou a importância do mar na cidade, começando pela carta de foral de afonso iii – outorgada à cidade devido à sua importância geográfica – e terminando na carta de d. maria ii que lhe deu o estatuto de cidade, em 1848. a parte etnográfica foi organizada tendo em conta os trajes da região: o de trabalho diário, o de feirar, o de domingar e os trajes de festas e cerimónias (como é o caso das conhecidas ‘mordomas’ que desfilam carregadas de ouro).

“a importância das festas para a cidade é enorme”, refere antónio peres, um dos desenhadores do projecto. “todos ganham: autarquia, comércio e indústria. de há uns anos para cá nota-se falta de investimento e isso também se vê na qualidade”. antónio peres também é responsável pela criação da técnica do sisal, usada para imitar a filigrana “parece ferro. usamos resina, colas, vernizes e sisal. a filigrana faz parte de viana, tal como as cordas dos barcos”.

todos os anos este desfile megalómano nasce numa oficina situada no parque industrial de viana do castelo. ali, uma equipa de cerca de 25 pessoas – carpinteiros, serralheiros, pintores, desenhadores – trabalham até ao último minuto para colocar na rua o trabalho de vários meses. “só lhes peço que não haja pinturas feitas no último dia, para pelo menos ter tempo para a secagem”, conta-nos josé luís oliveira.

os milhares de pessoas que se concentraram ao longo de 15 ruas da cidade testemunharam que a homenagem que viana do castelo presta à padroeira dos pescadores (a senhora da agonia) chegou a bom porto. aliás, como seria de esperar destas gentes do mar.

online@sol.pt