Cheque-ensino

Ele há palavras que têm este efeito. Palavras que separam as águas. Palavras que criam campos que se repelem. Palavras que definem visões do mundo. ‘Cheque-ensino’ é uma delas.

quando há algumas semanas surgiu o rumor, aliás nunca confirmado, de que o ministério da educação estaria a ponderar a introdução dos ditos cheques, logo se desembainharam as espadas em defesa da escola pública contra a nova onda privatizadora que ameaçaria o coração das funções sociais do estado. curiosamente, em portugal é a esquerda que, em nome dos mais pobres, se opõe a estes cheques; nos estados unidos da américa, pelo contrário, são os desvalidos de um sistema público que muitas vezes os defrauda que mais propugnam pelo uso do cheque-ensino.

nesta controvérsia confunde-se a provisão do ensino com acesso ao ensino. o cheque-ensino é apenas um meio para financiar o acesso dos cidadãos ao ensino. no sistema actual, o dinheiro dos impostos vai directamente para as escolas públicas de acordo com o número de alunos que administrativamente lhe são atribuídos para servir. com o cheque-ensino, esse dinheiro vai para as famílias dos alunos, que depois o usam para financiar a escola da sua preferência, pública ou privada. ou seja, a utilização de cheques ensino não significa nem uma sobrecarga para o orçamento, nem uma alienação da responsabilidade do estado de garantir a universalidade do ensino. mas uma coisa fundamental muda: às famílias é devolvida a liberdade de escolha da escola, independentemente do seu rendimento – um privilégio que agora só os ricos desfrutam.

o professor antónio borges faleceu no passado fim-de-semana. com humildade e respeito, dedico este artigo à sua memória. o cheque-ensino é a pedra de toque do pensamento liberal moderno, que procura conciliar a defesa da liberdade de escolha individual – e os incentivos que daí decorrem – com uma forte consciência social. a pedra de toque do pensamento do qual antónio foi um brilhante paladino.