como surgiu o convite para fazer esta banda sonora?
conheci o lee daniels há seis ou sete anos, quando ele estava à procura de um compositor para o precious. na altura fui contactado pela supervisora musical do filme, que estava a falar com vários músicos, e convidaram-me para ir a nova iorque conhecer o realizador. cheguei a fazer umas experiências para algumas cenas, mas depois acabaram por escolher outro compositor. por isso, foi de forma bastante inesperada que este ano recebi o convite para o mordomo. a produção estava, novamente, a contactar vários músicos e eu aceitei fazer, durante um mês, algumas experiências sem saber se ia ser escolhido ou não.
o filme fala, directamente, da luta afro-americana ao longo dos anos, uma história com que é difícil, para um europeu, identificar-se. ficou surpreendido por o escolherem?
estranhei o convite. sou um músico completamente desconhecido nos estados unidos e acho que a minha música tem mais a ver com o cinema europeu do que com o americano. mas apesar de este filme ser muito americano, também destaca muito a relação entre um pai e um filho, e isso é universal. nesse sentido, percebi que as minhas músicas cabiam no filme e que o lee daniels gostava particularmente daquele dramatismo e romantismo que existe nas coisas que componho.
o que o motivou mais no projecto?
gostei logo muito do argumento e das imagens que me mostraram e percebi que ia ser um desafio muito interessante, o que depois acabou por se comprovar. foram três meses muito intensos [entre abril e junho] e talvez tenha sido o projecto em que trabalhei mais sob pressão. era tudo muito rápido. enviavam-me cenas novas todos os dias e tinha de mostrar logo ideias. houve cenas em que cheguei a enviar sete, oito ideias e outras que eles gostaram logo muito à primeira.
o seu repertório é habitualmente descrito muito como cinematográfico. sempre imaginou a sua música no cinema?
sim, claro, até pela grande componente instrumental que a minha música tem. falei durante muitos anos em fazer música para cinema e, de repente, sem estar minimamente à espera, no espaço de um ano estou a acabar a quarta banda sonora, desta vez para um filme do realizador sérgio graciano.
está habituado a trabalhar com tempo, a ‘perder’ um ano só para criar um disco. ao fim destes 30 anos de carreira teve de desenvolver novos ritmos e características profissionais?
foi tudo muito mais rápido, mas não houve grandes alterações no processo criativo. também porque houve sempre uma boa relação com a produção e conversas muito longas, com chamadas por skype quase diárias e muitas trocas de email. também fomos – eu e o joão eleutério, que trabalhou comigo na produção – duas vezes a nova iorque e duas a londres, onde gravámos com uma orquestra, e isso é que foi uma experiência fora do comum. especialmente porque tivemos a oportunidade de trabalhar com o steve bartek, um arranjador com mais de 20 anos de experiência, que colabora muito com o danny elfman, muito conhecido pelo seu trabalho com tim burton.
não foi à antestreia do filme em nova iorque. porquê?
não fazia muito sentido. disseram-me logo que estariam lá 30 produtores, nem iria conseguir ver o realizador e estava no meio dos poucos dias de férias que consegui ter este ano.
a ambição de poder fazer mais contactos não o tentou?
fico contente se surgirem mais convites, mas não há nada calculado. nem sequer é uma prioridade. quero continuar concentrado nos meus discos, ter tempo para pensar nas colaborações que quero fazer e não ter sempre de decidir uma série de coisas em dois, três meses.
além de o mordomo, fez recentemente a banda sonora de a gaiola dourada, de ruben alves. imagino que os orçamentos tenham sido muito diferentes…
não, por acaso até foram bastante semelhantes…
hollywood não paga bem?
sou um músico que está a começar agora a fazer música para filmes, não tenho legitimidade para pedir um grande cachê. foi um trabalho pago dentro dos parâmetros normais. o que aconteceu foi que, no filme americano, eles tinham um orça- mento e depois, já eu estava a trabalhar há cerca de um mês no projecto, a miramax comprou os direitos e a partir daí houve mais dinheiro. mas não foi para mim, foi para gravar com a orquestra em londres, para contratar mais músicos, para contratar um arranjador como o steve bartek… uma série de coisas que vieram ajudar.
um trabalho deste género é pago ‘à cabeça’?
sim, a bilheteira não influencia nada. se assim fosse, neste momento estaria milionário [risos]. há um orçamento e, depois, nós temos de gerir esse valor para pagar os músicos, o estúdio, a produção, as viagens, etc.
além do realizador, conheceu algum dos actores, como a oprah winfrey ou o forest whitaker?
conheci o cuba gooding jr., numa das sessões de nova iorque. estávamos a trabalhar com o realizador, ele apareceu e esteve lá connosco durante cerca de uma hora. disse logo que gostava muito das músicas e ficámos contentes por ter manifestado a sua opinião.
já se falam em nomeações para os óscares. sonha com isso?
não é coisa que me preocupe. há tantos filmes americanos por ano e tantos músicos mais experientes que nem sequer vale a pena pensar nisso. mas acredito que possa haver alguma nomeação para os actores.
em novembro, nos dias 23 e 24, apresenta nos coliseus de lisboa e do porto o espectáculo bandas sonoras. será o culminar deste ano intenso a trabalhar para cinema?
sim, vamos pela primeira vez tocar temas que compus ao longo do último ano para os quatro filmes [o mordomo, a gaiola dourada, rainha de ginga, de sérgio graciano, e o frágil som do meu motor, de leonardo antónio]. vamos ter uma formação mais alargada, formada por um quarteto de cordas e um trio de sopros, e experimentar arranjos novos. além disso, haverá uma segunda parte com o scott matthew, um músico australiano que colaborou no meu último disco [a montanha mágica], com quem tenho trabalhado ultimamente e com quem tenho muita vontade de fazer um álbum para o ano.