“o que é que um actor empregado diz a um actor desempregado? traz-me um café”. ricardo alves, dos palmilha dentada, tenta através de uma anedota descrever como se vive no meio das artes performativas, no porto. e continua explicando: “nos anos 80 contava-se muito esta piada. nessa época éramos menos e, para sobreviver, trabalhávamos em áreas como a restauração. hoje podemos fazer uns trabalhos em publicidade, formação, em teatro comercial, em dobragens… tudo maioritariamente em lisboa. e se não arranjamos trabalho, temos de o inventar. este esforço constante implica dedicar muito tempo a sobreviver e pouco a criar”. os palmilha dentada, que ricardo alves integra há 12 anos, são a companhia que mais público arrasta no circuito alternativo – ainda assim sentem na pele os problemas da precariedade.
julieta guimarães, programadora do corrente alterna e uma das responsáveis pela companhia erva daninha, explica como nasceu o festival: “foi um convite do tnsj. é a primeira vez que convidam alguém que faz parte de uma companhia e que vive realmente estas dificuldades. não queríamos fazer apenas uma festa. ficámos muitos dias a pensar no que fazer com o orçamento que tínhamos”.
um dos critérios usados foi que nenhuma das companhias fosse financiada de forma contínua. “em portugal as artes performativas funcionam na base dos financiamentos. é impossível sobreviver das bilheteiras. no nosso país não existem financiamentos pensados para jovens estruturas. quando concorremos fazemo-lo com pessoal que já anda nisso há muito tempo e acabamos por perder. em termos de circulação – que seria uma forma alternativa de financiamento – os programadores privilegiam os projectos subsidiados… ou seja, acaba por ser um círculo vicioso. chega a uma altura em que somos velhos de mais para sermos emergentes e demasiado jovens para sermos financiados”, continua julieta, que criou a sua companhia há sete anos. a erva daninha agora ocupa uma antiga fábrica de meias, na rua da alegria, que alberga cerca de 15 companhias de teatro.
“às vezes é uma pescada de rabo na boca. não temos meios e continuamos. quando dissermos ‘parou’ as pessoas vão deixar de ter alternativas ao glamour da brilhantina das instituições”, desabafa ricardo alves.
a maioria destes artistas trabalha por ‘amor à camisola’. como cecília ferreira, do teatro a quatro, que viu a sua companhia ter de abandonar o espaço que ocupava por falta de verbas para o pagar. hoje o mesmo local funciona como loja chinesa e igreja evangélica. “apesar de ser um espaço central, muitas vezes o dinheiro da bilheteira não chegava nem para cobrir o aluguer do espaço do próprio dia, quanto mais as restantes despesas legais e logísticas. estar neste festival com o apoio do tnsj é importante, porque nos dá credibilidade. é curioso pensar que os nossos bilhetes são mais caros no corrente alterna do que quando os fazemos por nossa conta e ainda assim vendemos mais”.
o projecto de tânia dinis, do tenda de saias, e xana miranda – o xata – está há cinco anos na estrada. em média, a dupla coloca-o em cena duas a três vezes por mês. das dezenas de espectáculos que deram, contam-se pelos dedos das mãos os que foram pagos. “há quase sempre um motivo emocional associado à mostra do xata. ou por quem nos pede ou porque tem um cariz de ajuda ou pelo local onde é. quase nunca cobramos, no entanto é muito compensador ter todas as condições técnicas e logísticas para o ver em cena. e sermos pagas por isso, claro. além da visibilidade que vamos ter”, conta tânia dinis.
durante dois fins-de-semana alargados, 17 espectáculos de teatro, dança, circo e performance vão invadir as ruas e os palcos do centro da cidade do porto, em ambiente informal. “o corrente alterna é um manifesto. temos de mostrar às pessoas que a arte é uma coisa séria. que dá resultados a longo prazo”, nota julieta guimarães. para a programadora, “as dificuldades acabaram por criar uma corrente artística muito particular e consistente. mas ganhar 40 euros por três meses de trabalho implica muita resistência. mesmo quando há amor”.