A guarda pretoriana do piropo

A época da silly season guardou para o fim a melhor história. A primeira vez que ma contaram não quis acreditar, até porque pensei tratar-se de uma brincadeira.

segundo contam os relatos, alguém ligado ao bloco de esquerda, partido fundado entre outros por miguel portas, lançou para a praça pública a possibilidade de se discutir o fim dos piropos. penso que as autoras de tal iniciativa nunca defenderam a criminalização de tais práticas, mas defenderam a possibilidade de lhes pôr cobro. os dados estavam lançados e houve logo quem se agarrasse a eles com unhas e dentes. mas vamos por partes: em primeiro lugar, bocas ordinárias a crianças é algo perfeitamente intolerável – o mesmo se passando com adultos, embora estes tenham, obviamente, mais defesas.

mas penso que não foi isso que aqueceu o final da época ‘estúpida’. a guarda pretoriana do politicamente correcto trouxe a lume o caso da bélgica – como se os belgas fossem exemplo para alguém no que aos costumes diz respeito –, onde os ‘ordinário(a)s’ que dão um simples piropo a uma mulher ou homem podem ser condenados a pagar 250 euros de multa. extraordinário! essa brigada dos costumes deu ênfase ainda a outra questão: os piropos só são dados de homens para mulheres. extraordinário outra vez. então e os gays e as lésbicas não dão piropos uns aos outros? tenho vários amigos gays e já os ouvi dizerem coisas que a dita figura do camionista ficaria envergonhada. dizem-no na brincadeira e para ver se do outro lado recebem uma resposta ‘simpática’.

mas o que mais me intrigou nesta discussão parva foi a preocupação em acabar – através de polícias, calculo, como esta gente tem graça! – com o famoso piropo, vulgo galanteio. segundo a tal brigada amiga de polícias em cada esquina, o que é recomendável é que as pessoas se apresentem umas às outras com um despacho da junta de freguesia a atestar a sua leveza verbal.

tudo isto seria para rir se, em portugal, não morressem anualmente perto de três dezenas de mulheres e homens vítimas de maus tratos provocados por ciúmes ou por rejeição. e aqui, como nos piropos, os agressores não escolhem géneros sexuais ou o que se lhes queiram chamar. um problema que não merece tanto destaque da guarda pretoriana dos costumes. também é verdade que eles é que procuram decidir o que é correcto ou incorrecto. tenham juízo. l

vitor.rainho@sol.pt