‘Sofro mais com o meu Benfica do que com a política’

Aos 57 anos, Fernando Seara é um dos dinossauros autárquicos do país. A candidatura a Lisboa só agora recebeu luz verde do Tribunal Constitucional, mas o advogado, professor e comentador desportivo nunca teve dúvidas. No Colégio Militar descobriu o amor pelo Benfica e aprendeu a ser homem – razão pela qual é contra a entrada…

*entrevista publicada na revista tabu a 13 de setembro

como festejou a decisão do tribunal constitucional (tc)?

não festejei. era uma decisão que esperava. o acórdão do tc consagra o conjunto da defesa que, desde o primeiro momento, vínhamos fazendo, ao nível da consagração da jurisprudência constitucional da restrição de direitos, liberdades e garantias e de um princípio que é claro: na dúvida, a favor da liberdade.

se estava tão confiante por que não começou mais cedo a campanha?

porque, desde o dia 18 de fevereiro – que é o dia da notificação da interposição da acção por parte do movimento revolução branca – eu, no conjunto dos atingidos, fui aquele que teve um conjunto de duas decisões desfavoráveis, quer na primeira instância quer na relação.

qual a sua ambição para a cidade de lisboa?

melhorar um conjunto de elementos ao nível de gestão. lisboa precisa de ter a educação e a acção social como prioridades. a cidade, sob o ponto de vista do planeamento urbano, está definida. não há dúvidas nenhumas: lisboa tem um quarto da área de sintra. ao nível dos interesses imobiliários dominantes, estes estão sossegados, estão ligados ao município.

como assim?

o município faz tudo o que eles querem, desejam e ambicionam. num conjunto de redefinição de condomínios privados, num conjunto de zonas de lisboa, é evidente que os condomínios privados significam um valor de metro quadrado que não é 250 euros como foi na parque expo. lisboa é a cidade dos contrastes: dos condomínios fechados e dos sem-abrigo. a câmara tem de apoiar mais as ipss e não pode ter nenhum estigma de apoiar as ipss ligadas à igreja católica. as duas creches, em benfica e na charneca, recentemente criadas foram entregues à santa casa da amadora e à de alenquer.

quem manda na cidade?

quem manda na cidade, como mandam em todas as cidades, são coligações de interesses. a questão é saber se o poder político tem autonomia para contrariar essas coligações. o dr. costa é a candidatura da esquerda-caviar e da direita dos interesses. se for ver a comissão de honra, está lá toda a esquerda-caviar.

quais são essas coligações de interesses?

sabem que há 131 projectos de hotéis entre o castelo de s. jorge e o largo camões? quem toma esta opção não poderá ambicionar uma cidade com 700 mil pessoas no final da década. tenho prioridades diferentes. ao nível da educação, da acção social, de residências sociais para idosos, de residências para universitários e particularmente para erasmus, através de uma ligação propina-residência. só a nova universidade de lisboa terá, este ano, entre 1.000 e 1.200 erasmus. ao nível cultural é possível criar uma empresa pública para gerir o conjunto dos monumentos de lisboa. e desenvolver o turismo religioso. lisboa não conseguiu desenvolver esse turismo talvez por preconceito ideológico em relação à igreja católica.

referiu o número de hotéis projectados para lisboa. o município dá demasiada importância ao turismo?

o turismo é obviamente muito importante para uma cidade como lisboa, para a sua economia e para a sua imagem internacional. entendo é que lisboa deve deixar de ser uma cidade de contrastes. uma cidade que tem, durante o dia, um rossio percorrido por milhares de turistas e, à noite, apenas cinco residentes. é preciso equilíbrio na gestão de uma autarquia.

defende a construção do túnel do saldanha, a oferta de manuais escolares…

é a partir de sintra que todos os outros municípios repetem essa acção e depois o governo socialista assume. é a partir de sintra que começam os pequenos-almoços e lanches na escola. nunca exigi o pagamento de nenhuma patente.

… estacionamento gratuito e baixa de impostos. parece uma campanha à menezes.

é uma promessa normal para quem paga imi. o imi é uma questão importante, em lisboa, e importa ter um conjunto de mecanismos de avaliação, porque em alguns casos é elevado.

costa também prometeu a baixa do imi.

só estou a falar das minhas propostas. não falarei de nenhuma proposta do dr. antónio costa. o que defendo é que, um cidadão que paga impostos em lisboa, deve ter direito à chamada compensação tributária. para mim, faz-se também através desta política de estacionamento, com horas para os residentes. eu, ao contrário de outros, como não considero que o automóvel seja o ópio do condutor; não tenho nenhuma fobia anticarros; acho que em lisboa deveria haver um pacto de estabilidade sobre os sentidos do trânsito. hoje em dia as pessoas não sabem como subir ou descer as laterais da avenida da liberdade.

antónio costa quer tirar automobilistas do centro da cidade?

não sei se quer tirar os automobilistas ou só alguns. se altera o sentido do trânsito, só quem tem chauffeur é que pára. eu quero estabilidade no trânsito. se condicionamos o acesso de pessoas, se só se permite que vão alguns com chauffeur, significa que se tem uma hierarquia. isto não é nada socialista. nas grandes cidades, discute-se se tirar o trânsito significa tirar vida.

se ganhar as eleições, que cidade herda?

uma cidade com problemas financeiros independentemente da injecção de 271 milhões de euros que recebeu pelos terrenos da ana, no dia 17 de dezembro de 2012. esse dinheiro atenuou a dívida, mas não resolveu o problema financeiro. isso obriga a uma rigorosa gestão municipal. lisboa custa por dia à volta de um milhão e meio de euros.

por que hesitou tanto aceitar ser candidato?

hesitei em razão de circunstâncias pessoais e as circunstâncias pessoais são, nalguns casos, suficientemente explicativas para terem de ser atendidas.

a sua mãe disse-lhe para não aceitar?

a minha mãe disse-me para não aceitar, mas a minha mãe sempre me disse que ia ganhar no tc. sabem porquê? porque é viúva e neta de ilustres juristas portugueses. e bisneta de um dos grandes homens da universidade de coimbra, dos primeiros doutorados em direito da família, com uma tese ousada sobre o divórcio na ordem jurídica portuguesa, em 1908.

falando de divórcio. acha que a sua separação de judite sousa, em julho, pode prejudicar a sua campanha?

não falo sobre a minha vida privada. ponto.

não estamos a falar da sua vida privada.

não falo sobre a minha vida privada. ponto.

o estado civil é uma questão pública e é normal que se analise o peso de uma questão pessoal como um divórcio mediático nos resultados políticos. nos eua estas questões são analisadas à exaustão.

não vale a pena. não falo sobre a minha vida privada. ponto.

disse que assumiria o cargo de vereador. isso quer dizer que uma candidatura ao parlamento europeu está excluída?

totalmente excluída. já disse três vezes: não serei candidato ao parlamento europeu.

por que acha que, se já disse que não, ainda assim se tem insistido nessa ideia?

porque o aparelho ideológico leva a dizer isso. não sairei de portugal nos próximos tempos. já me basta o meu filho ter ido trabalhar para luanda. tenho cá os meus netos. em alguns casos leio tanta mentira que nem me canso em desmentir, aqui digo outra vez: não serei candidato. a europa não é o meu destino, não tenho o sonho de bruxelas, não deixarei de estar entre lisboa e viseu nos próximos anos.

que sonho tem para além do de autarca?

ir tomar conta dos bens da minha família. mantenho um escritório, onde todos os 15 dias vou ver se tem pó.

e o lugar de presidente do benfica está nos seus planos?

nos meus planos está a presidência da câmara de lisboa, assim os lisboetas queiram.

acha que a sua notoriedade tem a ver com o seu lado de benfiquista?

a minha notoriedade resulta do conjunto de actividades que fui desenvolvendo ao longo dos anos como professor, político e, claro, também como comentador televisivo.

assumindo o cargo de vereador, que tipo de vereador quer ser?

nunca me acontecerá o que aconteceu com a dra. edite estrela que, nos primeiros tempos, me tratava por ‘vereador’ sendo eu presidente. não tenho dúvidas que, sendo eu eleito presidente, o dr. antónio costa me tratará como presidente e vice-versa. cada um de nós, nas suas responsabilidades, não terá nenhum tipo de angústia. cada um de nós já perdeu e já ganhou. eu já ganhei mais vezes do que ele para municípios.

não tem feitio para se angustiar?

acha que algum benfiquista pode ter feitio para se angustiar perdendo como perdeu este ano nos últimos minutos dos principais jogos? sofro muito mais com o meu benfica do que com a política. na política já sofri, já perdi eleições. uma pessoa tem de ter consciência de que, quando se candidata, só tem duas hipóteses: ou ganha ou perde. qualquer uma delas é eticamente irrepreensível. cada combate não é o último combate. sempre digeri as derrotas sozinho. a derrota é da minha exclusiva responsabilidade, eu sou o único culpado, e tenho que dar o salto a seguir. é evidente que a política envolve uma equipa que deve ficar contente nos momentos da vitória e que deve ser afastada da dor da derrota. nesta matéria sigo a lógica utilitarista do stuart mill: a vida implica prazer e dor. tal como digo que a felicidade são quatro vectores: amor, trabalho, cultura e amizade.

edite estrela diz que a sua única obra em sintra, em 12 anos, foi um canil.

a dra. edite estrela tem um problema: desde que deixou de viver em sintra, não conhece a realidade do concelho. e mesmo que tenha sido só um canil, foi uma obra. a dra. edite estrela nunca perdoou que eu tivesse ganho sintra.

receia que a crise e o psd no governo o prejudiquem?

é evidente que estas eleições são singulares. o eleitorado pode, ou pela abstenção ou por um voto negativo, sancionar e dar uma nota de descontentamento. em lisboa isso pode ser particularmente real. há uma questão na capital que tenho sentido e que tem a ver com a lei das rendas. a câmara pode ter um papel mais regulador do que tem tido.

é abordado na rua por pessoas que se queixam do governo?

as questões centrais são a lei das rendas e as pensões. a minha obrigação como político é escutar, ouvir as razões.

o governo não está a ir longe demais nos cortes das pensões?

a questão nas pensões, tal como na lei das rendas, é saber se é possível rapidamente fazer ajustes. acho que, nalguns casos, pode ser possível.

a presença de passos coelho na sua campanha pode fazer com que o foco da atenção seja desviado para o governo?

o foco de atenção em lisboa sou eu. não tenham problemas sobre a centralização do foco.

é mais fácil justificar uma derrota com um enquadramento como o actual?

tanto pode ser para justificar uma derrota como sublinhar uma vitória. a vida apenas me ensinou uma coisa: uma pessoa só perde quando desiste de lutar. a minha tarefa é difícil, mas é o que me leva a não dizer ‘nunca’ nem ‘desisto’. e cá estou. motivado e na certeza de que saio mais enriquecido de lisboa e da campanha.

perante as sondagens que dão maioria absoluta a costa, nunca se sente desmotivado?

nada. até porque uma campanha, e uma vivência de campanha, é conhecer pessoas, realidades, perceber angústias, é ter momentos de alegria. é um momento de enriquecimento pessoal.

considera o actual governo social-democrata?

não discuto matérias ideológicas hoje em dia. toda a gente sabe que, com um plano de resgate, o apaziguamento ideológico é uma realidade e uma necessidade por imposição de terceiros.

está a ver saída para as medidas deste governo perante chumbos sucessivos do tc?

tem que haver sempre uma saída. o governo tem que arranjar uma solução. estamos perante uma constituição–garantia. a constituição foi feita claramente para libertar opções mais liberais. quem a fez, sabe que a fez assim. quem vai para o governo sabe que pode ter um projecto de revisão constitucional, mas que não tem condições para o fazer.

passos coelho está a debater-se mal com isso.

o professor cavaco silva, depois de uma decisão desconforme do tc, chamou-lhe num célebre discurso ‘força de bloqueio’. agora, quem, em s. bento, o ajudou a escrever o discurso não sei se não estará arrependido disso.

em 2010, apoiou paulo rangel para a liderança do psd por considerar que era a melhor alternativa a sócrates. o que achava de passos coelho nesse momento?

entendi apoiar paulo rangel porque era o líder ideal para o psd. hoje em dia reconheço que pedro passos coelho tem feito um grande papel como primeiro-ministro.

quando mudou de opinião?

na fase que antecedeu a candidatura a primeiro-ministro. vi que tinha ideias concretas e que as assumia, tal como paulo portas.

são os dois mais parecidos do que as pessoas pensam?

claro!

e por isso chocam?

porventura, exige muito mais compromisso entre eles. a forma como passos coelho reagiu, e muito bem, ao pedido de demissão do dr. paulo portas representa a ontologia das coisas. são dois parceiros com duas visões concretas diferentes. temos de saber quem são os nossos amigos, os nossos inimigos e os nossos adversários.

tem dito que paulo portas é um político brilhante. em quê?

é um lutador perseverante e um perseverante que luta. acredita nele mesmo, tem convicções. só um perseverante é que tem convicções e ideias. reconheço que o dr. paulo portas tem uma concepção do mundo, ou seja, uma hierarquia sobre o mundo e as coisas. merece o meu respeito.

ficou surpreendido com a sua demissão?

fiquei.

achou que ele ia abandonar a política?

não. achei que iria repensar.

não ficou fragilizado?

não. só fica fragilizado quem desiste.

ninguém ficou fragilizado naquela situação, nem portas, nem passos, nem a coligação?

as fragilidades são de um instante, a força é permanente. os portugueses têm que perceber que um governo de coligação constituído por pessoas diferentes, com partidos diferentes, tem momentos daqueles. portas é um resistente, tal como pedro passos coelho. é preciso ter muita envergadura psicológica para resistir.

helena.pereira@sol.ptraquel.carrilho@sol.pt