‘a política é o contrato a prazo mais precário que existe’
qual é a identidade do seu mandato?
a opção que fizemos desde o início foi de não ter aquela grande obra, como alguns gostam de ter. definimos um conjunto de prioridades, como a reabilitação da frente ribeirinha, o terreiro do paço e a ribeira das naus, a revitalização da baixa, a educação, a economia da cidade. acho que tudo isso são apostas que, com maior ou menor visibilidade, têm estado a ser ganhas e é isso que explica que, neste contexto de crise, a cidade tenha uma vida e uma dinâmica que não tinha em 2007. e isso foi feito numa conjuntura muito difícil que nos forçou a agir em contra ciclo.
temos hoje uma cidade que woody allen pode vir filmar?
sendo rigorosos, lisboa foi sempre uma cidade onde woody allen poderia filmar. e desejamos que um dia possa haver esse encontro. infelizmente não estou nas condições de dizer o que o prefeito eduardo paes, no rio de janeiro, disse: que pagava o que fosse necessário para que woody allen filmasse o rio. mas tenho esperança que um dia seja possível encontrar as nossas capacidades com as necessidades dele.
já houve conversas neste sentido?
tem havido contactos, quer por parte do município quer por parte do estado, e acho que um dia serão um sucesso.
o seu mandato ficou marcado por projectos polémicos como a videovigilância e as alterações no marquês…
isso são algumas das coisas de que se tem falado – o marquês, por exemplo, foi uma intervenção muito difícil, muito discutida e muito polémica –, mas há outras de que se poderia falar e às quais as pessoas dão pouca atenção. por exemplo, as intervenções que têm sido feitas na coroa norte da cidade, que é onde hoje vive a maioria da população. são intervenções muito importantes porque a cidade não é só o terreiro do paço. a câmara comunica mal e naturalmente a comunicação social centra-se mais nos problemas do que nos não-problemas. no próximo mandato, que é um mandato em que não posso estar preocupado com a minha reeleição, esforçar-me-ei para que a câmara comunique melhor.
esteve assim tão preocupado com a sua reeleição?
ninguém gosta de perder. mas quem está sempre preocupado com o resultado das eleições arrisca-se a não fazer o que é necessário. no primeiro mandato – que era um mandato anómalo porque era só de dois anos –, toda a gente me disse que era uma loucura fazer a obra de construção do esgoto no terreiro do paço com eleições dali a um ano e meio. mas entendi que devia ser feito e foi. acho que uma das razões pela qual se estabeleceu uma relação de confiança entre os cidadãos e a câmara, é que as pessoas acreditam que a câmara faz aquilo que é necessário e tem conseguido cumprir razoavelmente os prazos.
as últimas sondagens indicam uma vitória expressiva. o que é, para si, uma vitória?
em primeiro lugar, convém sempre contarmos com as sondagens com a devida prudência. há 20 anos fui candidato num concelho [loures] em que todas as sondagens diziam que ia ser esmagado e acabei por quase ganhar. sondagens que agora dão grandes vitórias podem traduzir-se, no final, em resultados diferentes. agora, no fundo, é simples: ganha-se quando se tem mais um voto.
essa é a análise generalista…
depois sabemos que o objectivo de qualquer candidato é ter 100% dos votos [risos]. acho que era importante um resultado bastante expressivo. as eleições não se limitam a dizer quem ganha, definem também as condições políticas em que se ganha. e uma coisa é ganhar sem maioria, outra coisa é ganhar com maioria e outra ainda é ganhar com uma maioria clara que nos dá força. dá-nos força para a gestão dos interesses conflituantes da cidade, para as negociações que são necessárias fazer com o governo para fazer a descentralização, para avançarmos com mais determinação nas políticas de mobilidade, de habitação, de ambiente… é importante que o resultado eleitoral seja expressivo de uma vontade.
ou seja, não tendo uma maioria não fica satisfeito?
não, não ficaria satisfeito.
o que impossibilitou uma união à esquerda, como já houve com jorge sampaio e joão soares?
desde 2007 que o pcp sempre recusou essa coligação. acho que fazem uma avaliação negativa da experiência da coligação anterior, acham que daí resultou um reforço do ps e um enfraquecimento do pcp. é pena que assim seja. com o be a experiência foi diferente. a seguir a 2007 fez um acordo connosco, nós cumprimos a nossa parte, o vereador [sá fernandes] que eles tinham cumpriu a parte deles do acordo e eles retiraram confiança política ao vereador, que está neste momento na minha equipa. o problema do be é que tem uma ambição impossível, que é substituir a posição que o pcp teve. acontece que o bloco não tem implantação popular nem territorial nem sindical para essa ambição. é uma ambição desmedida.
a falta de união à esquerda em lisboa é um espelho do que se passa no país.
tem sido. a direita em portugal tem o benefício de a única alternativa governativa possível ser uma maioria absoluta do ps, o que é, em si, estruturalmente difícil. é um bónus da direita.
e que fragiliza a imagem da esquerda perante os eleitores?
claro que fragiliza. o eleitorado em lisboa tem resolvido esse problema percebendo que esta candidatura do ps ultrapassa as fronteiras do ps, não só com o movimento do josé sá fernandes e da helena roseta, mas juntando muita gente. tenho bem consciência que parte importante da votação que obtemos é uma votação que vai além do ps.
já lhe passou pela cabeça que pode não chegar a defrontar fernando seara?
haverá certamente um candidato, não sabemos é se é o fernando seara ou a teresa leal coelho. mas o psd não perderá por falta de comparência. acho que vai perder, mas não é por falta de comparência.
está em lisboa com os dois pés?
o que lhe parece? o principal candidato da oposição pode estar com os dois pés em lisboa, mas a cabeça está em sintra, que já o vi lá em cartazes na campanha do pedro pinto. esse slogan só diz que não se tem nada a dizer sobre lisboa.
e levanta uma questão comum: não acreditam que cumprirá o mandato na cml até ao fim.
acho muito honrosa a confiança que o dr. seara tem no meu futuro, mas acho que devia falar antes sobre o que se propõe fazer.
fernando seara não é o único com esta dúvida.
desde 1999 que oiço dúvidas sobre o meu futuro. acho estranho que ainda não se tenham cansado de ter dúvidas porque eu já estou cansado de responder à mesma coisa.
então o que responde a uma alfacinha que lhe pergunte na rua se conta consigo até ao final do mandato?
o que respondo é que tenho cumprido sempre as minhas funções e em cada momento, enquanto as cumpro, o tenho feito com inteira dedicação. e não vejo nenhuma razão para sistematicamente me colocarem perguntas sobre o que vou fazer no futuro e não nos concentrarmos naquilo que estamos a fazer e que nos propomos a fazer.
não respondeu.
admito que não se tenham cansado de perguntar. mas eu já me cansei de responder.
quando escolhe, para seu número dois, um homem do partido, como é fernando medina, não está já a pensar que poderá ter de ser substituído?
em democracia ninguém escolhe sucessores nem designa herdeiros. mas sei que este é o meu último mandato à frente da cml e é importante que, nesta lista, exista uma nova geração, capaz e com condições para dar continuidade a um projecto que arrancou em 2007 e que gostaria que fosse prosseguido.
se manuel salgado fosse o número dois correria o risco de deixar a cml nas mãos de um independente…
a questão não se põe dessa forma. o manuel salgado tem sido um colaborador extraordinário desde a primeira hora. foi das pessoas que mais me convenceu a ser candidato à cml. tudo foi feito em concordância com ele. não há nenhuma divergência entre mim, ele e o fernando medina.
o que é uma vitória do ps nas autárquicas?
as autárquicas são aquelas eleições em que toda a gente pode fazer as contas como lhe dá jeito. acho que vencer é ser o partido com maior votação, acho que esse é o critério. o número de câmaras é muito relativo.
se o ps tiver menos votos que o psd, antónio josé seguro tem condições para continuar?
não vamos voltar aí. gosto mais de falar de lisboa.
mas antes de ser autarca de lisboa já era socialista…
não vou dizer nada que abra novas especulações sobre esse tema.
é um tema que não chegou a ser encerrado.
nada nunca está encerrado na vida política.
mas continua a pôr a hipótese de suceder a seguro? mesmo que só em 2015?
tenho 52 anos não tenho de programar a minha vida para os próximos 20 nem tenho de autolimitar a minha vida. não fiz isso no passado e não vou fazer no futuro.
esta discussão foi aberta por si, quando disse que avançaria para a liderança do ps.
mas a circunstância em que isso foi dito ficou esclarecida no momento próprio.
o que o fez mudar de ideias?
não se tratou de mudar de ideias. disse em que condições é que avançaria e em que condições é que não avançaria. o secretário-geral satisfez as condições para que eu não avançasse e assim foi. foi tão simples quanto isto. tudo na vida é mais simples do que aquilo que parece.
houve muita gente que ficou chateada consigo pela sua desistência?
deve ter havido… no ps e no país. houve pessoas que o disseram directamente, outras não. quem está na política tem de saber agir por si e em função da avaliação que faz do que tem a fazer.
tem consciência de que existe uma imagem generalizada entre apoiantes do ps de que seria um melhor líder?
agradeço o elogio. mas para já o que desejo é uma coisa mais modesta: continuar a ser um bom presidente da cml. é para isso que me candidato.
fala bem com antónio josé seguro?
sempre falámos bem. o ps tem uma boa tradição: independentemente das divergências políticas, as relações pessoais tendem a ser boas. é uma grande diferença relativamente ao psd onde há sempre muitas quezílias e ódios pessoais. no ps desenvolvemos pouco as questiúnculas pessoais.
ainda assim não há nenhum líder que goste de ser afrontado…
quem é que afrontou quem? não me pareceu que ele se sentisse afrontado.
não sente que desestabilizou o ps e que isso prejudicou o partido?
sinceramente não.
tomaria a mesma atitude?
a história não se repete e os comportamentos também não… são muitos ‘se’ perante uma impossibilidade: amanhã não voltará a ser ontem. essas perguntas são-me sistematicamente colocadas desde 1999. e até hoje têm tido a resposta que têm tido.
como é que a sua mulher e os seus filhos lidam com a sua carreira política? opinam?
falamos de tudo e eles reagem bastante, opinam. sobre alterações de trânsito, horários da noite. os meus filhos são adolescentes, temos divergências de fundo sobre os horários do bairro alto e os after hours… mas nunca nos chateamos por causa da política.
nunca se penitencia pelas ausências a que a política obriga?
conforme os meus filhos têm vindo a ficar adultos tenho vindo a ganhar maior tranquilidade de que as minhas ausências deixaram menos marcas na nossa relação do que, por vezes, receei. há etapas da vida que foram perdidas. acho que os pais vão ganhando remorsos ao longo da vida, mas felizmente quer o pedro quer a catarina têm crescido de uma forma tão saudável que me dá uma enorme tranquilidade. temos uma relação muito boa e isso dá-me uma crescente paz de espírito.
como é que o irmão político se relaciona com o irmão jornalista de política?
essa relação não existe. nem o meu irmão se dá com o irmão político nem eu me dou com o director do expresso. damo-nos como irmãos, fora dessas funções.
foi sempre assim fácil destrinçar?
tivemos sempre uma fronteira que assumimos como natural. qualquer um de nós, mas sobretudo ele, exerce funções em que é necessário que as pessoas percebam que existe uma separação. é mérito dele, ao fim destes anos todos, as pessoas distinguirem bem o papel de cada um. acho que o facto de o ricardo ser meu irmão não afecta em nada a credibilidade que ele tem enquanto jornalista, e acho que o facto de ele ser meu irmão não suscita a dúvida de que possa haver uma fuga de informação da minha parte.
mas o lado humano não sente necessidade de desabafar com o irmão?
não o faço. isso às vezes é duro, mas faz parte das regras de vida que temos imposto a nós próprios. e temos vivido bem assim.
o que lhe serve de refúgio da política?
uma coisa que sempre consegui foi ter períodos, como as férias, em que consigo cortar. vou de férias e desligo-me completamente das notícias nacionais. não leio jornais, vejo noticiários ou oiço rádio. só não desligo o telemóvel. ultimamente tenho-me concentrado a ler e a ouvir música. gosto de rock, fado, música clássica… e tenho passeado, gosto muito de andar a pé. além disto, a cozinha é das coisas que mais me distrai. infelizmente não tenho imaginação suficiente para inventar os meus pratos, mas gosto muito de executar as receitas dos livros. e acho que sou metódico e organizado, mas a minha mulher acha que não… lá em casa, por regra, não sou eu que cozinho, mas sou quem o faz com mais prazer.
e continua a viajar?
gosto muito, mas tenho viajado pouco. redescobrir o anonimato é um prazer imenso e isso requer viagens. é preciso ir para fora do país. as pessoas são muito simpáticas comigo na rua, mas é difícil estar totalmente à vontade cá em portugal.
goa é um destino especial?
já há bastantes anos que não vou, mas tenho lá um tio, primos, o meu pai formou-se lá… encontro ali mais do que em qualquer outro país.
e continua a perder noites para os puzzles?
há muito que não faço. antes ficava até muito tarde a montar puzzles. começou com um puzzle dos meus filhos, quando estava no ministério da justiça, em 99. depois entusiasmei-me e fui por aí fora. o maior que montei tinha umas 13 ou 14 mil peças e era um mapa mundi antigo. ficou na sala de espera do mai e presumo que tenha sido desmontado. comecei a montá-lo em casa, mas um dos problemas dos puzzles grandes é que há um momento em que há uma incompatibilidade com o resto da família. estamos a falar de uma coisa com uns dois metros quadrados, já ocupa algum espaço…
em 2011 fez 50 anos. no mesmo ano a sua filha atingiu a maioridade. deu que pensar?
custou-me mais os 18 anos dela do que os meus 50. tenho feito as coisas que gostava de fazer e tenho gostado do que fiz. acho que isto é uma felicidade extraordinária. quem me dera chegar ao fim da vida assim. claro que há coisas que não fiz e gostaria de ter feito. mas não vivo obcecado com isso. no essencial lido bem com a vida. não tenho angústias sobre o que fiz ou o que vou fazer. digo tudo o que tenho para dizer, o que é muito saudável porque não só não ganho úlceras como não ganho rancores, e isso permite-me viver bem. numa actividade como a política, uma pessoa viver com rancores e ódios é a pior coisa que existe. diz-se, está dito. vira-se a página.