num poema, mao amaldiçoou o rio do tempo, que arvid sente a invadir-lhe o corpo, a “correr sob a pele como minúsculos choques eléctricos e eu não os conseguia travar, por mais que tentasse”. ele acha que se tornou o que é porque não queria desiludir ninguém e “todas as coisas tinham espaços, distâncias entre elas, como satélites, atraídos e afastados no mesmo instante, e seria necessária uma imensa força de vontade para atravessar esses espaços, essas distâncias, muito mais do que aquela que eu tinha disponível, muito mais do que aquela que eu tinha a coragem de usar”. agora, arvid quer um estímulo para lutar por ser a pessoa que quis mesmo ser. vulnerável como uma criança, procura-o, sem sucesso, no amor da mãe.
os romances de per petterson são muitas vezes comparados a pinturas de paisagens nórdicas, comoventes de tão imperiosamente frias e desoladas. a melancólica cintilação desta escrita é, de facto, lírica e plástica, tal qual ela fosse um ponto de observação estático sobre a finíssima camada de gelo que separa o coração das personagens da crueza da vida e do tempo. maldito seja o rio do tempo trata o choque entre as percepções da infância e a conquista da maturidade. é um romance soberbo sobre a orfandade provocada pela quebra dos laços filiais ou ideológicos, entendidos como prenúncios da inevitável mortalidade.