‘Jardim teve o seu tempo e o seu mérito’

Na segunda-feira após a noite eleitoral, Paulo Cafôfo, o agora presidente da câmara do Funchal, apresentou-se ao trabalho, na escola do Campanário. Os alunos estavam perante o mesmo professor de história mas agora perante o homem que fez história. O ‘caloiro’ da política (foi a primeira campanha em que participou) venceu o experiente candidato do…

paulo cafôfo é o novo presidente da câmara municipal do funchal, autarquia que, desde 1976, foi governada por maiorias absolutas do psd. a coligação ‘mudança’ (ps, be, pnd, mpt, ptp e pan) venceu por 39,22% dos votos (5 dos 11 mandatos).

em entrevista ao sol, depois da ‘revolução’ que protagonizou, quer implementar um caminho de “evolução”. quer um relacionamento q.b. com os partidos políticos da própria coligação; um relacionamento “institucional” com o governo regional de alberto joão jardim; e a representação que o funchal merece na anmp.

paulo cafôfo devolve a acusação de ‘albergue espanhol’ e ‘saco de gatos’ apontada à sua coligação; admite atribuir pelouros a vereadores eleitos pela oposição; acordos pontuais e não em bloco; desdramatiza a atribuição do pelouro do urbanismo a um ex-vereador do pnd que dinamizou várias acções populares na região; e vai pedir uma auditoria às contas da autarquia até agora liderada pelo social-democrata, miguel albuquerque..

“hoje fez-se abril no funchal”, disse na reacção à vitória de domingo. segue-se o quê? o prec?

esta candidatura teve a feliz ideia de ser apresentada no dia 25 de abri l [de 2013]. fez-se abril na madeira porque, depois de 37 anos, a vitória de uma força diferente daquela que nos tem governado este tempo todo é significativa. respirámos outro ar. há outra liberdade. outra vitalidade democrática. não há democracia sem alternância. fez-se uma revolução. o que se vai passar agora é uma evolução. basta tirar o ‘r’. virámos uma página e vamos escrever um novo capítulo da história. há uma ruptura de protagonistas e de políticas mas será uma mudança serena e tranquila.

na noite eleitoral, no facebook, escreveu o seguinte: “a democracia exibiu a sua vitalidade. depois de anos grávidos de esperança, esta noite é o ventre do dia ‘inicial, inteiro e limpo’. acha que a sua vitória representou o fim da era alberto joão jardim?

a vitória representa uma vontade das pessoas em mudar um estilo de política e em mudar políticas. estamos no fim de um longo ciclo político cuja cabeça é alberto joão jardim. teve o seu tempo e o seu mérito. expirou o seu prazo de validade. este foi o primeiro passo, não só no funchal mas em toda a região, para outras mudanças que se seguirão.

a liderança nacional do be, pela voz de joão semedo, assumiu publicamente que a conquista da câmara do funchal pela coligação representou o único dos 4 objectivos nacionais do be alcançados. representando a sociedade civil, como é que olha para estas ‘colagens’ políticas associando-as ao princípio do fim do ‘jardinismo’?

não foi uma colagem política. nenhum dos elementos da vereação tem qualquer filiação partidária. é a sociedade civil pura e dura. mas que acredita que os partidos fazem parte da democracia. os seis partidos políticos que nos apoiaram tiveram mérito. o be, o ps, o mpt, o ptp, o pan e o pnd. não é qualquer colagem é uma verdade.

apresentou-se ao eleitorado como independente, com o apoio de vários partidos, mas a vitória da coligação ‘mudança’ no funchal contou para a vitória nacional do ps. aliás, antónio seguro reivindicou esta vitória para o partido. revê-se nesse retrato?

o ps é o maior partido da coligação que concorreu ao funchal. tem uma responsabilidade acrescida na vitória. mas é uma vitória de todos os partidos que souberam fazer uma leitura política e social e viram que a única forma de derrubar o poder e construir uma alternativa foi através desta coligação. não foi só um voto de protesto, foi um voto de esperança.

como vai ser o relacionamento com o ps?

vai ser igual ao que terei com os outros partidos. não haverá partidos privilegiados. serão todos tratados de forma igual. espero o contributo do ps e dos demais partidos, nomeadamente na assembleia municipal, para construir a cidade que pretendemos.

apesar de ser independente, foi vice-presidente da direcção do laboratório de ideias do ps/madeira. vai abandonar essas funções ou dará o seu contributo para as eleições regionais de 2015?

irei colaborar com o laboratório de ideias sempre que for necessário. o laboratório foi, se calhar, a maior abertura que algum partido fez, na região, à sociedade civil. tem elementos de diversos quadrantes. é completamente aberto. numa das mesas redondas que o laboratório organizou esteve presente, por exemplo, o mandatário da juventude do dr. bruno pereira, meu adversário na corrida à câmara do funchal. irei colaborar com a laboratório, agora sem funções de direcção.

tendo em vista as eleições regionais de 2015?

neste momento o que me preocupa é a governança da câmara do funchal e a execução do nosso programa. o meu único interesse é o funchal.

como é vai gerir a sua própria coligação, que tem sido apontado como um verdadeiro ‘albergue espanhol’ (da extrema-esquerda à extrema-direita.)? sem identidade ideológica, que identidade pode ter a câmara?

somos uma coligação que tem partidos de diversos quadrantes. a acusação de ‘albergue espanhol’ ou ‘saco de gatos’ vem de gente do psd que está a partir por dentro. há um desentendimento e uma divisão total. durante a campanha revelámos uma união e uma coesão inabalável. não somos um ‘albergue espanhol’ mas cidadãos apoiados por seis partidos políticos preocupados com a cidade e não com interesses pessoais, partidários, particulares. esta foi a grande mudança. só tenho de liderar a minha equipa e executar o programa que foi sufragado nas urnas. não haverá qualquer dependência ou deferência aos partidos políticos.

esta ampla coligação no funchal pode servir de exemplo no país?

há questões regionais que não podem ser transpostas para o todo nacional. não se pode exportar para outras regiões ou outros municípios. há lógicas regionais que são diferenciadoras. agora, acho que se deve alargar o mais possível este tipo de soluções. este é o exemplo de que um projecto, com as pessoas certas, pode fazer a diferença.

acha que daqui pode surgir uma plataforma que desafie, nas próximas regionais de 2015, o psd? o líder regional do ps, victor freitas deu alguns sinais nesse sentido…

não sou líder partidário. é algo que me transcende. mas tenho de ser honesto. sempre achei que esta coligação, no funchal, deveria ter sido estendida a outros municípios. só teríamos a ganhar se a oposição tivesse um projecto sólido e coerente para o governo da região.

com uma administração pública muito centralizada no líder regional, alberto joão jardim, espera enfrentar muitas resistências? é que, na noite eleitoral, jardim fez uma ameaça velada às autarquias que mudaram de cor política…

isso não me preocupa. o tempo dos ‘papões’ e do ‘lobo mau’ já passou. tenho a noção do trabalho que tenho pela frente. espero toda a colaboração institucional e toda a articulação com o governo regional. não tenho intenção de fazer uma guerra civil com o governo regional. o que posso garantir é que irei lutar, até às últimas consequências, pelos interesses do município e dos munícipes. não me amedrontam qualquer tipo de ameaças.

acha que as recentes divisões no psd/madeira podem trazer-lhe apoios inesperados?

sou uma pessoa de consensos. estou aberto a qualquer colaboração, venha ela de onde vier, desde que vier por bem e seja numa perspectiva construtiva. o psd terá de arrumar a casa mas isso é uma coisa que só a eles diz respeito.

conseguiu uma vitória histórica, mas não tem maioria absoluta para governar a câmara – nem sequer na assembleia municipal. entre psd, cds e cdu, com quem prefere fazer um acordo?

todas as hipóteses estão em aberto. quero conversar com todas as forças que elegeram vereadores. saber da sua disponibilidade para viabilizar a governação e bom funcionamento da câmara do funchal. após essa auscultação irei tomar as minhas decisões. neste momento está tudo em aberto.

inclusive a possibilidade de distribuir pelouros pela oposição?

sim. desde a distribuição de pelouros até acordos pontuais em relação a determinadas matérias. estou plenamente disponível para isso.

o futuro titular do pelouro do urbanismo está a gerar alguma apreensão aos promotores imobiliários uma vez que se fala do nome de gil canha, do pnd, conhecido pelo apoio passado a acções populares. como tranquiliza tais receios?

esta é uma mudança serena. queremos construir uma cidade sustentável e equilibrada. o vereador gil canha realizou um trabalho válido na anterior vereação porque foi contra certas irregularidades/ilegalidades em termos de urbanismo e ordenamento do território. a sua intervenção na defesa da legalidade e na salvaguarda dos interesses da cidade enfrentou determinados ‘lobies’. o que lhe posso dizer é que não foi por causa de gil canha que ainda não temos um pdm revisto, que se destruíram edifícios históricos, que os bairros sociais se encontram degradados, que não se fez a reabilitação urbana dos centros históricos. gil canha não foi vereador durante 37 anos. podem contar connosco para construirmos uma cidade harmoniosa, dentro da legalidade e mantendo a nossa identidade.

também se reconhece a gil canha estar contra o novo projecto do emblemático hotel savoy.

o projecto está naquele estado [já demolido] porque o processo foi muito complexo. teremos de encontrar uma solução. a cidade não pode ficar com aquela ‘buraco´. terá de ser falado com os promotores daquele projecto.

das 10 freguesias do funchal, só 5 apostaram na ‘mudança’. como vai ser o seu relacionamento com as juntas? vai continuar a apoiar financeiramente em proporção das verbas directamente transferidas do estado para as juntas? o ainda representante regional da anafre, simplício pestana manifestou alguma apreensão nessa matéria…

para mim todas as juntas serão iguais. não vamos ter a mesma atitude que o governo regional teve com as câmaras ou juntas que foram de outra cor política. não estamos aqui para vinganças mas antes para lutar pelo interesse comum. foi assumir pessoalmente o relacionamento com todas as juntas de freguesia. vejo o exercício da governação da câmara de uma forma descentralizada. os presidentes de junta têm melhor conhecimento da sua realidade. há que lhes dar competências e meios. é isso que farei.

o presidente cessante, miguel albuquerque foi vice-presidente da anmp. vai reivindicar esse estatuto?

o funchal tem uma importância a nível nacional que deve ser realçada. assumirei as responsabilidades que achar por bem no intuito de defender a capital da ram. veremos, no contexto actual, em que circunstâncias o presidente da câmara do funchal poderá assumir outras responsabilidades a nível nacional. há um congresso da anmp marcado para 23 de novembro, para santarém. até lá veremos quais as possibilidades.

e na associação de municípios da madeira quem será o presidente neste ‘xadrez’ autárquico regional onde temos o funchal (coligação), 3 câmaras do ps, 4 do psd, duas independentes e uma do cds)?

isso é outra questão. mais do que discutir a liderança, o que importa é discutir a função e aquilo que faz a amram. estarei disposto a conversar com todos os presidentes de câmara eleitos e será escolhido, entre todos, aquele que melhor servir os interesses da instituição. não é algo que ambicione. mas assumirei a vontade dos meus colegas. neste momento de dificuldades económico-financeiras, o que importa é que haja convergência e eficiência de meios. não podemos desperdiçar sinergias e recursos. as parcerias são uma boa solução.

como é que pretende consubstanciar o slogan eleitoral de transformar o funchal na melhor cidade portuguesa para se viver até 2020?

temos uma estratégia, um planeamento e uma visão para a cidade. o funchal tem andado sem rumo. estamos a falar de qualidade de vida. há estudos que colocam o funchal em 2.º lugar na melhor cidade para se viver (deco) e no 4.º lugar (estudos académicos) atrás de lisboa, porto e albufeira. os indicadores que temos de melhorar são no emprego/mercado de trabalho; na cultura/lazer; e no turismo. temos todas as características para subir no ranking. o que queremos é uma cidade sustentável e com qualidade.

a cmf tem um orçamento anual que ronda os 97 milhões de euros e uma dívida a rondar os 105 a 110 milhões de euros. a dívida da autarquia está mais ou menos consolidada mas a margem é estreita por causa do pael.

a dívida é preocupante. daí que o funchal tivesse de contrair um empréstimo de 28,5 milhões de euros no âmbito do pael. foi o maior empréstimo da história da câmara. a situação não é folgada. vamos gerir essa e outras questões com rigor das contas públicas. não pode haver desequilíbrio orçamental. o tempo das loucuras acabou.

vai pedir uma auditoria às contas da câmara?

com certeza. queremos que haja transparência. é sempre bom que, quando alguém entra, haja uma transparência e uma clarificação da situação que encontra. queremos fazer uma auditoria para esclarecer tudo. ainda não está definido quem irá fazer essa auditoria. vamos fazer isso de uma forma clara, natural, serena e democrática. não há nada a temer.

o pelouro das finanças a quem será atribuído e que orientações surgirão nessa área?

será a dr. filipa jardim fernandes qua ficará com as finanças, turismo e economia. gil canha ficará com o urbanismo mas não só. ainda estamos a definir o organigrama. a área social ficará com o enfermeiro edgar silva. o ambiente/resíduos sólidos com idalina perestrelo [dirigente regional da quercus].

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