O país pergunta melhor?

Na quarta-feira 20 portugueses fizeram 20 perguntas ao primeiro-ministro. Sobre os preços de uma viagem de avião dos Açores para Lisboa; sobre o Túnel do Marão; sobre os julgados de paz; sobre a falta que os governos civis fazem na limpeza de florestas. Numa entrevista clássica de televisão, nenhuma delas teria lugar.

houve outras que, sim, eram incontornáveis. desemprego, falta de professores, sns, sector da restauração. nestas, passos tinha escassos minutos para responder, sem tempo para contraditório.

na prática, passos experimentou o que cavaco silva fez enquanto primeiro-ministro quando não havia tv’s privadas: passar por cima dos jornalistas e falar directamente com alguns portugueses. é aqui que convém fazer a pergunta: se pode ser assim, os jornalistas servem para quê?

no meu entender, para ajudar ao esclarecimento público (colectivo). ao invés, o que me pareceu ouvir na quarta-feira foi um repositório de queixas individuais, com cada pessoa reclamando uma parcela da atenção ou da ajuda do orçamento do estado, para cada um dos sectores em que trabalha. não recrimino os que perguntaram – que têm acima de tudo, naturalmente, preocupações pessoais. os jornalistas, porém, têm um dever acima do seu próprio – e esse é o de questionar sobre o interesse geral. e, sim, têm o dever de perguntar, insistir, confrontar sempre que necessário, como também de deixar falar.

mas eu não sou – e acho que não devo ser – inume à crítica. ouço várias vezes as pessoas (e os políticos, por razões diferentes) queixarem-se de que nós, jornalistas, vivemos numa bolha que nem sempre se cruza com o país real. isso será, em alguns casos, verdade e leva-me a crer que este modelo pode existir, se melhor desenhado. ouço também as críticas que se fazem a entrevistas conduzidas por jornalistas experientes, que são também justas.

mas isso não prova que o jornalista seja substituível no seu papel – de óbvio interesse público. só nos diz que, para desempenhar bem esta função, o jornalista tem que ser bom, preparado e especializado.

sim, os jornalistas erram, às vezes percebem mal, noutros casos são influenciados pelo seu modo de ver o mundo. mas a virtude do mercado livre também se nos aplica: uns são melhores, outros piores, uns de esquerda, outros de direita, uns estudam mais que outros. e no fim as coisas tendem para um equilíbrio que todos, dia a dia, entrevista a entrevista, podemos escrutinar e criticar.

fecho a crónica contestando a crítica que passos fez aos jornalistas nesta entrevista. disse que estamos a tratar medidas anunciadas em abril como se fossem novas, – gerando assim alarme social. deu o exemplo dos cortes nos vencimentos no estado. mas reconhece também que a medida ainda não está fechada nos seus detalhes. sejamos claros: foi ele que prometeu à troika, em maio, que esses detalhes (que são o diabo) seriam conhecidos em breve – e não foram. portanto a crítica não é justa. os jornalistas não vão prescindir de fazer as perguntas a que o governo não respondeu ainda. podemos ter muitos defeitos, esse não será um deles.