Um conto sobre a sobrevivência

Ontem não tivemos uma conferência de imprensa de um vice-primeiro-ministro sobre as pensões de sobrevivência, tivemos uma conferência de imprensa sobre a sobrevivência do vice-primeiro-ministro.

é claro que paulo portas não está com a vida fácil. ser vice-pm, com a obrigação de negociar com a troika, não é a mesma coisa que ser mne e traçar linhas vermelhas. assim como não é a mesma coisa achar que é preciso um novo ciclo e conseguir impor (interna e externamente) esse novo ciclo – pela simples razão que não há margem alguma para que ele apareça.

sendo claro, portas está a pagar o preço daquela famosa demissão. os que percebem passos e a sua obstinação não lhe perdoam o salto no escuro; os que criaram expectativas sobre a sua saída e a ruptura do governo não lhe perdoam ter voltado atrás. e os que acreditaram, como ele, na possibilidade de um novo ciclo político acumulam a desilusão que amanhã terá um teste decisivo.

face às circunstância, posso perceber que paulo portas quisesse tranquilizar os pensionistas sobre a aplicação da medida que foi – justamente – acusado de esconder. mas não se percebe, usando o mesmo argumento, por que se faz uma conferência de imprensa a meio da aprovação do orçamento sem esclarecer esses mesmos pensionistas sobre a ces, ou sem esclarecer os trabalhadores do estado sobre como se aplicarão os cortes nos seus vencimentos. a conferência de imprensa de ontem não é bom sinal.

quanto à medida em si, mantenho integralmente a minha posição de princípio:

1. parece claro que a medida foi feita à pressa, por imposição da troika (a queda da tsu das pensões teve um preço).

2. continuo sem perceber se há, e como, aplicação da condição de recursos. e sobre se se aplica em cima da ces e das mudanças na cga (o que quer dizer, em alguns casos, cortes a triplicar). menos percebendo ainda quanto encaixa o estado com a medida.

3. estruturalmente falando não vejo que esta medida seja pior que outras, como os cortes anunciados na cga, quer do ponto de vista de princípios, quer do ponto de vista de impacto social.

insisto no ponto, para que fique claro: a situação é hoje de tal ordem que já não é possível discutir medidas isoladamente, sem ser por comparação a outras alternativas. este corte é mau? é. há cortes mais injustos? claro que sim.

david.dinis@sol.pt