A estabilidade de um pântano

Em vésperas de Orçamento dediquei-me a ler o que escreveram os jornais sobre o documento. Parei no Jornal de Negócios que escreve sobre o que vai acontecer às pensões. Parei mesmo. A complexidade das medidas em causa é de tal forma complexa que tive que voltar atrás duas vezes para fazer um boneco no caderno.

eis a questão: o corte nas pensões de sobrevivência é diferente na cga (pensões do estado) e na segurança social. mas como há outra lei que corta nas pensões da cga, o governo tentou proteger algumas, para evitar um duplo corte. ah! mas é preciso lembrar que já é aplicada a contribuição extraordinária de solidariedade desde 2011 – e aqui ainda há dúvidas como se compatibiliza esta taxa com os outros cortes.

tudo isto mostra à evidência o difícil (impossível) que é construir hoje um orçamento do estado. difícil pela meta obrigatória (uma redução acima de 1,5 pontos da despesa), difícil pelos juros (a dívida pesa terrivelmente nisto tudo) e pela improbabilidade de um crescimento visível.

mas isto mostra também que, com as limitações todas de que estamos fartos de falar, a solução que se vai construindo é de uma complexidade trágica – que só acrescenta camadas ao pior dos problemas do estado português. e de uma estabilidade idêntica à dos terrenos de um pântano.

acho que a análise que mais se aproxima desta minha preocupação foi escrita hoje, pelo joão miguel tavares, no público: o orçamento, pelo que percebemos, será ao estilo “contas de merceeiro” – tirar o máximo, mexendo no mínimo. «trágico não é acabarmos mais pobres. é acabarmos mais pobres sem que nada mude em termos estruturais». é isso.

david.dinis@sol.pt