tudo isto é só meia verdade. porque a verdade, verdadinha, é esta: este orçamento é uma última tentativa de ganhar tempo, para ver se o cautelar chega antes do último chumbo do constitucional. tudo para evitar o segundo resgate.
esta é a parte boa, mas há uma má: não é líquido que se consiga e nem isso evitará que o próximo seja pior.
podia escrever toda esta crónica com um rol de dúvidas e indignações acerca deste orçamento. seria fácil fazê-lo. mais difícil é pôr os pés na terra e perceber o abalo que aí vem.
sejamos claros: com a dívida que temos não vão existir orçamentos razoáveis nos próximos 10 anos. por isso este não é um problema deste governo, é também (já hoje) o problema do próximo.
o pior é sempre a herança. pistas: os impostos estarão iguais, porque até 2015 não haverá margem para descer nada; os cortes de salários no estado, se passarem no tc, continuarão a fingir-se de temporários; os cortes das pensões, se passarem também, terão os problemas de sempre – temporários, contestados, às vezes injustos. o país estará mais pobre, sim, e pelo andar da carruagem não estará muito mais competitivo. a reforma do estado esconde-se no sítio do costume: uma gaveta do palácio das laranjeiras, seja ela do dr. portas ou do dr. alberto martins, que também já foi o ministro com o mesmo guião.
andamos nisto há quatro anos, talvez há 15: a pôr medidas num papel para cumprir as metas. à medida que os anos passam, o leque de opções estreita-se mais. os impostos do tabaco já aumentaram quantas vezes? e as pensões, quantos cortes levaram já? pergunta incómoda: se este ano é assim, no próximo sobra o quê?
nos últimos anos o país já tentou tudo. sócrates quis ir pelo crescimento, mas isso custou muito dinheiro. a crise que veio não lhe deu tempo para provar nada. em 2011, já era.
passos foi ele e as suas circunstâncias: cortes à gaspar, impostos de emergência, até pequenas e médias medidas ‘à la portas’, que já vêm desde maio e só deram em meias medidas.
sim, podemos passar mais anos a discutir se isto começou no ovo ou na galinha. mas essa discussão não dará em pinto, nem nos fará a omelete. é óbvio que neste tempo se testaram soluções que faziam sentido – que este orçamento também tem. mas pelo tc, pela política ou pela rua, tudo rendeu muito menos do que era preciso. e esse impasse acaba sempre a custar-nos mais dinheiro, mais medidas. hoje o país já não tem tempo nem dinheiro, vive preso num impasse de regime.
já tivemos a tese e a antítese, chegou a hora de fazermos a síntese. sem ela, um dia a casa vem abaixo. ou talvez não, talvez continue a tremer com sucessivos abalos de 7 na escala de richter, pondo estaca sobre estaca para se manter de pé. é possível que cheguemos assim ao próximo orçamento: com a única certeza que o seguinte será pior. o melhor é aproveitar este. suspeito que ainda vamos ter saudades dele.