DocLisboa: Partir do íntimo para documentar o universal

Várias “portas de entrada” e não apenas “destaques”. É assim que Cinta Pelejà e Cíntia Gil – que, com Susana de Sousa Dias, formam a direcção do DocLisboa – entendem a programação da edição deste ano do festival de cinema documental, que arranca hoje e decorre até 3 de Novembro.

durante 11 dias vão ser mostrados 244 filmes, provenientes de 40 países distintos, e há três linhas gerais explícitas (ou as tais ‘portas de entrada’) que atravessam o festival.

“a primeira é a relação entre o íntimo e o político, na medida em que a vida íntima espelha as dinâmicas do político; a segunda é a questão do arquivo, enquanto matéria viva e signo do passado, que nos interpela, mas também tarefa do presente; e a terceira linha de força é o dialogo e as tensões entre diferentes gerações” – enumera cíntia gil.

o filme e agora? lembra-me, de joaquim pinto – a única obra nacional a disputar a competição internacional – representa uma dessas entradas possíveis no festival. a partir da experiência pessoal e íntima do realizador, portador do vírus da sida, fala-se “da coisa mais universal entre todos os humanos, que é a possibilidade de se partilhar alegrias e tristezas”. “o problema da doença deixa de ser o centro da história e passa a ser só um plano de fragilidade. não sei se o cinema é alguma vez uma lição de vida, mas aqui, pelo menos, é uma partilha vital”, acrescenta a directora.

reforçando a ligação que os filmes têm dentro das tais linhas de programação, cinta pelejà menciona que a retrospectiva dedicada a alain cavalier relaciona-se com e agora? lembra-me, na medida em que o cineasta francês, a determinada altura, “decidiu trabalhar a partir do seu quotidiano”. “os filmes deles são um homem e a sua câmara, mas não são um exercício narcísico ou auto-centrado, bem pelo contrário. a partir da singularidade do cineasta vemos histórias universais”.

além da competição internacional, a presença portuguesa está presente em quase todas as secções do festival. alguns dos regressos mais aguardados são o de gonçalo tocha – que em 2011 tornou-se o primeiro português a vencer o grande prémio, com o filme é na terra não é na lua – e de salomé lamas, que no ano passado venceu a competição nacional com terra de ninguém. desta vez, tocha traz a mãe e o mar, sobre as ‘pescadeiras’ de vila chã, a única comunidade global que teve mulheres a trabalhar na pesca, e lamas a curta theatrum orbis terrarum.

no plano internacional, o chinês wang bing – que no ano passado venceu o doclisboa – regressa com til madness do us part, sobre um hospital psiquiátrico no sudoeste da china, e o indiano anand patwardhan – “cineasta com uma filmografia importante, mas muito pouco conhecida em portugal” – traz jai bhim comrade, que aborda a desigualdade no tratamento das castas na índia.

do irão, chegam dois ensaios sobre a criação em tempos difíceis. mohammed razoulof – convidado para integrar o júri do doclisboa, mas que não poderá vir porque está impedido de sair do país – traz manuscripts don’t burn, e jafar panahi, condenado a prisão domiciliária em 2011 e à proibição de filmar durante 20 anos, apresenta closed curtain, vencedor, em fevereiro, do melhor argumento em berlim.

alexandra.ho@sol.pt