régine chassagne, cujos pais nasceram em port-au-prince, levou o marido win butler pela primeira vez ao haiti há três anos, depois de o sismo de 2010 ter destruído quase por inteiro o país. apesar de ter viajado por razões humanitárias, o casal canadiano, naturalmente mais predisposto a descobrir músicas locais, deixou-se surpreender pelas sonoridades próprias da região, como o rara ou o kompa, a chamada música tradicional vudu haitiana. especialmente win, uma vez que régine, devido aos pais, não era totalmente ignorante na matéria. “sempre achei que os gostos musicais ficavam definidos por volta dos 16 anos. mas no haiti fui exposto a tanta coisa culturalmente diferente, que me deixei influenciar”, contou o vocalista da banda de montreal, em entrevista à rolling stone.
um dos aspectos que o tocou mais foi o apelo para a dança. apesar de adorar desde a adolescência bandas como new order ou b-52’s, win nunca se sentiu impelido a dançar em público. “as únicas alturas em que me sentia confortável para o fazer era quando estava só com os meus melhores amigos e, mesmo assim, precisava de estar muito bêbado”, disse à revista americana, acrescentando à canadiana maclean’s que, por exemplo, “a ideia de ir a ibiza e dançar com um bando de meninos ricos brancos, acelerados em ecstasy” nunca o atraiu. mas o haiti alterou-lhe a perspectiva, pelo menos no que diz respeito a deixar-se contagiar pela música e ‘soltar o corpo’. “estar no interior do haiti, a dançar até às três da manhã com um tipo a tocar tambor e dezenas de crianças que descem das montanhas – e, no fim, ainda dar um mergulho no mar – é algo com que me relaciono. foi a primeira vez em que me deixei levar enquanto dançava”.
a experiência – que win garante ter sido alcançada sem a influência de qualquer alucinógenio – foi de tal maneira marcante que o músico decidiu ali o que queria para o próximo álbum dos arcade fire: transmitir a mesma sensação aos seus fãs. é por isso que reflektor, o quarto disco da banda canadiana, nas lojas a partir de segunda-feira, dia 28, é tão assumidamente dançável, contaminado pelas percussões fortes dos ritmos africanos e da música vudu haitiana.
os amigos james murphy, bono e david bowie
conscientes de que, embora lúcidos sobre o som que queriam criar, precisavam de ajuda exterior, os músicos de montreal convocaram james murphy para produzir o disco. “como estávamos a experimentar coisas novas pela primeira vez, queríamos ter alguém que nos dissesse ‘estão no caminho certo’”, mencionou o vocalista à bbc radio 1. e murphy revelou-se uma escolha acertada. ecléctico, o mentor dos extintos lcd soundsystem permitiu que as canções dos arcade fire ganhassem a tal amplitude sonora que win butler procurava, mantendo, porém, o lado épico e grandioso que caracteriza – e tão bem – as canções da banda desde a estreia.
lançado em 2004, funeral captou imediatamente a atenção de melómanos do mundo inteiro e encabeçou as escolhas de melhores discos do ano de quase todas as publicações especializadas em música. um ano depois, a lista de admiradores engrossou quando david bowie – que agora tem uma participação na música ‘reflektor’ – assumiu apreciar a banda, atraindo ainda mais ouvintes para neon bible, álbum de 2007. mas foi há três anos que a formação liderada por win butler e régine chassagne atingiu novo patamar de popularidade, ao ganhar o grammy para melhor disco do ano com the suburbs.
desde aí, as expectativas sobre o que iriam apresentar a seguir tornaram-se assunto recorrente. saberiam usar os holofotes da fama a seu favor ou iriam sucumbir, inevitavelmente, ao facilitismo da música para massas? reflektor confirma, mais uma vez, que os arcade fire são uma das bandas mais interessantes da actualidade. sem beliscar a sua génese musical, a formação canadiana continua a construir canções perfeitas (o single ‘afterlife’ prova isso mesmo), sem perder o desejo de arriscar, de se aventurar por novos territórios, neste caso, a música de dança. com isso tem conquistado cada vez mais adeptos, sendo o mais recente bono, dos u2, que não se escusou em fazer parte de um dos vídeos promocionais do novo disco. mais recentemente foi a vez da canadiana céline dion revelar que sonha com uma colaboração com a banda. apesar de não descartar esta peculiar parceria, win butler mantém os pés no chão. “não consigo compreender como crescemos tanto. para mim, o melhor cenário é aquele que já temos agora, em que podemos tocar perante cem mil pessoas e continuar a não ter um hit”, tem afirmado nas entrevistas.