A riqueza de Moçambique

Quando há cerca de dois anos começámos a lançar a edição do SOL em Moçambique passei algum tempo em Maputo, onde fiz várias entrevistas a figuras de diferentes quadrantes e de profissões muito distintas umas das outras.

ouvi um pouco da história do país pela boca dos seus filhos. os mais antigos e que tinham memórias do período colonial, recordavam esse tempo com alguma mágoa, referindo sempre as desigualdades e o facto de não terem tido acesso a uma educação idêntica à dos filhos dos colonos, além de viverem em zonas mais pobres e afastadas dos centros urbanos. nessa época, e segundo os estudiosos locais da língua, apenas dois por cento da população falaria português. com o início da guerra colonial, esse número foi aumentando porque, segundo as mesmas fontes, samora machel terá obrigado as diferentes etnias a comunicarem em português, já que era fundamental entenderem-se na mesma língua.

mas tanto os mais antigos como os mais novos, na faixa dos 20 e poucos anos, recordavam o período da guerra dos 16 anos – em que as forças da frelimo enfrentavam as da renamo – como um tempo que não queriam reviver. durante a guerra civil, à qual ninguém dá esse nome, pelo menos nas cerca de duas dezenas de entrevistas que fiz, o povo viveu momentos tenebrosos. pais que tinham de esconder, à noite, os filhos nas redondezas das suas casas, pois se fossem apanhados seriam incorporados nas forças armadas. ouvi também testemunhos de jovens que perderam os pais às mãos dos saques da renamo. mas quer num caso, quer noutro, fiquei com a sensação de que ninguém quer o regresso da guerra. moçambique é um país jovem muito pobre, de que se diz que poderá ser muito rico.

depois da guerra colonial e da dos 16 anos, há muito por fazer. se na capital as pessoas vivem razoavelmente – muitas com grandes dificuldades, é certo –, é nas zonas rurais que as desigualdades se notam mais. ainda por cima, a riqueza do país está quase toda concentrada no norte, uma das zonas mais empobrecidas.

mas não me parece que os moçambicanos queiram voltar a viver a guerra. é certo que a paz tem um preço e que será preciso mais justiça social e uma melhor distribuição da riqueza. o que acontecerá, inevitavelmente, com o passar dos anos. não se pode é olhar para áfrica com os olhos de outras realidades. os moçambicanos resolverão os seus problemas e não gostam de ingerências alheias.

vitor.rainho@sol.pt