Literatura: O velho peixe sábio

Cinco anos após o suicídio (enforcou-se aos 46 anos, vencido por duas décadas de luta contra a depressão), David Foster Wallace é uma lenda, uma moda e uma referência crucial na literatura da terceira vaga modernista. O segundo romance, Piada Infinita (1198 páginas, incluindo 338 notas extensas) desafia os limites da intertextualidade e a definição…

a biografia e a obra de foster wallace, espécie de shakespeare pós-pós moderno, simbolizam o confronto da inteligência e da reflexividade mais geniais (e depressivas) com a extrema complexidade da vida quotidiana do homem no século xxi. a abordagem sofisticada do autor (tão conservador quanto revolucionário) à banalidade do real comprova-se também nos ensaios e artigos jornalísticos, como os agora editados pela quetzal.

foster wallace quis juntar “cinismo e ingenuidade” e, na verdade, ele é sempre incisivo e divertido, quer escreva sobre um cruzeiro de luxo pelas caraíbas, a cultura televisiva e a escrita de ficção nos eua, o cinema de david lynch, um festival da lagosta no maine, a indústria do cinema pornográfico, o 11 de setembro, as autobiografias de desportistas ou o talento do tenista roger federer. o truque chama-se pensamento geométrico e o escritor definiu-o como “a capacidade de calcular não só os nossos próprios ângulos como os ângulos que lhes respondem”.

afinal, foster wallace quis afirmar-se contra a auto-referencialidade narcísica que detectou nos grandes-machos-autocomplacentes-falocratas norman mailer, philip roth ou john updike. num discurso dirigido em 2005 a uns alunos finalistas, escolheu uma parábola com peixes para enaltecer o conhecimento académico como fonte de escolha e procura da verdade, porque “as realidades mais importantes, mais omnipresentes e mais óbvias são muitas vezes as mais difíceis de ver e de discutir”. assim, olhando obsessivamente, não para si mesmo, mas para a forma como via e pensava o mundo, foster wallace revela-nos ângulos inesperados: os dos grandes temas reflectidos nas “trincheiras quotidianas” e nas “trivialidades banais”.

online@sol.pt