Agarrados à corrida

Se estiver a passear pela zona ribeirinha de Lisboa e for ultrapassado por um grupo em passo de corrida não se assuste. Não é um arrastão. O mais provável é que se trate de um dos muitos grupos de corridas que surgiram nos últimos anos e que agora aproveitam as ruas da cidade para fazerem…

mas nem sempre foi assim. “tenho 36 anos e já corro há mais de 20. ainda sou do tempo em que as pessoas diziam que quem corre são os maluquinhos”. quem o diz é josé carlos vieira, co-fundador do lx run, um grupo informal que junta pessoas que partilham o gosto pela corrida. no facebook reúnem quase 400 amigos e aproveitam para combinar treinos, trocar conselhos de saúde, percursos de provas e tudo o mais que gire à volta deste desporto. tudo isto à borla, sem jóias de inscrição ou mensalidades.

josé carlos vieira justifica que o clima ameno do país e o mau clima financeiro poderão ter ajudado a que mais pessoas trocassem o ginásio pelas ruas ou que ganhassem coragem para fazer desporto. “faço-lhe um desafio: por que é que não vem correr connosco para ver como é?”.

desafio aceite. às 21h00 de quinta-feira a equipa do sol comparece na vela latina, em belém, pronta para se juntar ao treino do lx run. o encontro ocorre dias depois de vários elementos terem completado a maratona rock and roll, por isso o tema de conversa à chegada é obviamente a medalha que obtiveram e orgulhosamente exibem.

começa o treino. ao longo dos 7,59km fala-se de provas passadas e futuras, combinações extra corrida, negócios, da vida em geral. será esta camaradagem que motiva as pessoas a virem correr em grupo? “sem dúvida”, diz josé carlos vieira. “especialmente no inverno ou quando está mau tempo, se não tivéssemos a certeza que estaria alguém à nossa espera não saíamos de casa”.

joão ralha acrescenta alguns pontos: “trocamos ideias, tiramos dúvidas sobre saúde e equipamento, aprendemos, partilhamos despesas de deslocações para corridas fora de lisboa”.

há cinco anos, este consultor de gestão de 54 anos encontrou por acaso um amigo numa corrida e decidiram combinar uns treinos. ainda tentaram juntar-se a um grupo, mas optaram por criar o seu. e assim nasceram os run 4 fun. em 2008 tinham sete ou oito pessoas e na semana passada contavam já com pouco mais de 1.500 membros. “correr sozinho é algo que as pessoas começam a fazer naturalmente, porque se pode correr em qualquer lugar, a qualquer hora”, justifica joão ralha. “mas correr em grupo tem muitas vantagens”.

uma delas é a adesão e motivação para se participar em provas em portugal e não só: “já uso as corridas para fazer turismo e desde há quatro ou cinco anos que faço uma maratona por ano no estrangeiro”.

e por cá? “tenho conhecido sítios em portugal onde nunca iria se não fosse o facto de ir lá correr”, conta joão ralha, que aproveita a mudança de tema para dizer que outra vertente de provas que está a ter muito sucesso são as corridas em trilho, algumas organizadas por clubes mais pequenos.

essa é justamente a especialidade dos loucos trail running, um grupo que no facebook tem quase mil membros e que corre todos os dias à hora do esquilo em monsanto. mas o que é isso? “são treinos das seis às sete da manhã. chamamos-lhes assim porque no início, quando estava só o núcleo duro, vimos um esquilo a passar e dissemos ‘deve ser a hora do esquilo’“. a explicação partiu de pedro conceição, 37 anos, e o núcleo duro a que se refere é composto por mais dois amigos.

os três já praticavam outros desportos há quatro ou cinco anos, mas quando se viram com menos tempo para grandes logísticas decidiram calçar os ténis para correr. no início juntavam-se ao final do dia, mas era sempre com dificuldade que conciliavam horários.

há quem corra cinco vezes por semana ou até só descanse um dia. alguns aproveitam os fins-de-semana para fazer treinos mais longos. aliás, houve membros do grupo que, no sábado passado, fizeram os 88 km do ultra trail das aldeias do xisto, na serra da lousã.

para lá chegarem, contribuiu, e muito, a motivação adicional de correr em grupo. “em grupo treinamos um pouco mais, porque sozinho é mais fácil de desistir, de ir mais devagar. é também uma forma de trocar experiências e tirar dúvidas”, explica pedro conceição.

para este consultor de gestão, as redes sociais foram um dos grandes contributos para o aumento do número de pessoas que desde há dois anos correm sozinhas ou acompanhadas. “começou a ser contagiante e socialmente aceite. as pessoas já não se sentem estranhas a sair para a rua e mesmo os que não correm já não estranham ver os outros a correr”. além disso, diz, “as empresas que organizam corridas e provas vieram acompanhar esse boom”.

também joão ralha, dos run 4 fun, acredita nesta última ideia: “há uns anos podíamos inscrever-nos a dois dias das provas, hoje não porque esgotam”.

há mais pessoas a correr desde há quatro ou cinco anos

foi precisamente isso que aconteceu com a maratona rock and roll de 6 de outubro e é isso que tem acontecido com a corrida da mulher, em maio. a meia-maratona de março, que atravessa a ponte 25 de abril em lisboa, tem tido cerca de 38 mil participantes. estas são as três provas que o maratona clube de portugal organiza. “temos verificado que há mais pessoas a correr desde há quatro ou cinco anos”, diz maria manuel simões, assessora de imprensa da empresa. a responsável acredita que não estamos perante uma moda, até porque quando as pessoas “ganham o bichinho e começam a estabelecer objectivos nunca mais largam”.

por seu lado, a xistarca diz organizar entre 50 a 60 corridas por ano. é impossível enumerá-las todas, mas na sua grande maioria referem-se a percursos mais pequenos que podem ser de cinco, dez ou 15 km. joaquim sobral, responsável por inscrições, partidas e chegadas desta empresa, acredita que “as pessoas começaram a perceber que têm de fazer qualquer coisa pela sua saúde”.

mas a variedade não é só uma característica dos organizadores profissionais. que o diga josé bagina. começou a correr há dois anos com os run 4 fun e foi com eles que participou na corrida dos elevadores, que passa por cinco ascensores lisboetas. “gostei tanto de correr e poder ver um pouco da história da cidade que aproveitei para fazer o treino dos presidentes”, conta este consultor em sistemas de informática de 42 anos, explicando que esta estreia nas corridas temáticas pretendia passar pelas dez ruas lisboetas com nomes de ex-presidentes.

e desta vontade de “associar o prazer da corrida com o conhecer melhor a cidade” seguiram-se o treino dos elevadores, da biodiversidade, dos eléctricos, dos chafarizes, ‘lisboa devota’ e ainda houve espaço para uma angariação de fundos para a casa de acolhimento mão amiga, com uma corrida solidária.

uma lista extensa, à semelhança do que acontece com o número de grupos de corrida que marcam presença através do facebook. o que nos leva até ao portugal running, um grupo com mais de 3.300 membros, que vê este número a subir vertiginosamente. “estou um pouco surpreendido, não esperava que tivesse esta dinâmica”, confessa nuno pimenta, 36 anos, que em março de 2010 criou o grupo marginal à noite, numa alusão à prova com o mesmo nome que se realiza em junho, em oeiras.

com o passar dos meses, o aumento do número de membros e a diversificação das temáticas ligadas a este desporto, o grupo acabou por escolher um nome mais geral, em agosto de 2011: portugal running. agora contam com membros espalhados por todo o país e corridas para todos os gostos e horários.

mas não são só estes grupos informais que se organizam para irem correr. também há lojas que conseguem juntar ‘atletas’. é o caso da nike no chiado e do seu nike + run club lisboa. a marca organiza corridas, informais e grátis, em todos os grandes estabelecimentos europeus. “lisboa não podia faltar e com a abertura da loja nasceu este clube. a nossa primeira corrida foi a 3 de novembro de 2011”, recorda cláudia lucas, uma das treinadoras que acompanha os grupos. nesse dia juntaram 18 corredores. várias quintas-feiras mais tarde, em agosto deste ano, foi atingido o recorde de 111 participantes.

os treinos são todas as quintas às 20h00, por percursos que mudam semanalmente. a única certeza é que há duas distâncias a escolher: 6 ou 10 km. “qualquer um dos percursos são acompanhados por dois treinadores, um que segue à frente, outro atrás, para ninguém se perder e se sentirem apoiados”, diz por seu lado vânia guerreiro, também ela treinadora.

ambas destacam o facto de o grupo ter criado uma orgânica própria e agora as pessoas já se conhecerem foram das corridas. “já há uma ligação que é mais do que colegas de corrida”, diz cláudia. e é com orgulho que contam histórias que vêm comprovar o aumento de pessoas que aderiram à corrida, desde a senhora que chegou na génese dos treinos “só para acompanhar um amigo” e que volta todas as quintas, agora, para correr, até às pessoas que começaram por só correr os 6 km “e agora já fazem os 10 km a falar”.

no parque das nações existe uma loja que também partilha este sentimento de pertença, de uma tendência que todos dizem ter vindo para ficar. é a pro runner, uma marca da sport iberica, que mais do que a venda de produtos para a corrida também tem serviços na área da nutrição, saúde e acompanhamento psicológico, através de workshops. e claro, também contribui para o aumento do número de corredores com treinos informais e grátis, corridas solidárias e treinos para provas específicas. “tentamos que os workshops antecedam os treinos”, explica cristina romão, directora de marketing da pro runner. “e tentamos trazer alguns nomes que sejam uma mais-valia, já tivemos aqui o [atleta] hélio gomes para motivar e aconselhar os corredores casuais”.

e, segundo a responsável, os esforços pedagógicos parecem estar a resultar: “as pessoas estão a correr mais e melhor”. esta observação surge quer do aumento dos inscritos em provas, quer das preocupações em escolher o equipamento certo. “no fundo o que queremos é que as pessoas que aqui venham saiam corredores conscientes e contínuos, porque acreditamos que as lesões são o principal responsável para as levar ao abandono da corrida”, acrescenta cristina romão, que acredita que esta tendência revela “uma alteração de comportamento”.

uma tendência que segundo josé carlos vieira, dos lx run, pode aumentar ainda mais: “no dia em que as senhoras começarem a correr mais o boom vai ser maior”. porquê? basta olhar para mercados mais maduros como o norte-americano e antecipar uma tendência. “há uma percentagem muito elevada de mulheres a correr e como em tudo, quem lidera as coisas são as mulheres. acho que pode ser uma referência que pode fazer a diferença”.

joana.barros@sol.pt