hoje, dia 16, a partir das 19h, a escritora estará no museu nacional de história natural e da ciência, em lisboa, para conversar com o público sobre os mecanismos de percepção dos fenómenos artísticos e para ler excertos do novo romance, the blazing world, que será lançado em março de 2014 nos eua.
no seu caso, é difícil alhearmo-nos do enquadramento familiar. acha possível abordarmos uma obra de arte sem expectativas?
não será possível, mas é desejável. as expectativas podem cegar-nos. sabemos hoje que a percepção das obras de arte pode até ser condicionada por predisposições biológicas ou fisiológicas pré-conscientes. mas o fenomenologista edmund husserl [no início do século xx] aconselhava-nos a pormos de lado as nossas disposições naturais. não conseguimos colocar-nos perante uma obra de arte totalmente nus, mas podemos rejeitar ao máximo as ideias pré-concebidas. devemos abrir-nos a todas as possibilidades.
inclusivamente, ao estranhamento…
a arte que me interessa é aquela que nunca chego a compreender totalmente. algumas obras de goya, por exemplo, são tão fortes que me é quase insuportável olhar para elas. cada pessoa tem um grau diferente de estímulo e de tolerância. mas a arte tem de perturbar e de chocar…
como um pesadelo?
ou um sonho.
estas questões da percepção também estão no seu novo romance?
tenho estudado a relação entre corpo e mente e o papel fisiológico da emoção. sempre me interessei pelo funcionamento dos mecanismos de percepção e esse é o tema central em the blazing world, onde várias personagens, cada uma com a sua voz, apresentam as suas múltiplas percepções. a protagonista é uma artista visual já falecida, mas cujas impressões conhecemos através do seu diário. as obsessões dela são as minhas: ‘o que vemos, afinal?’, ‘até que ponto a nossa percepção é afectada pelo dinheiro ou pela fama?’.
ou pela aprovação dos outros?
é um disparate defendermos hierarquias artísticas muito rígidas, porque as obras de arte estão vivas ou renascem em cada novo espectador, leitor ou ouvinte. o peso de uma aprovação pré-estabelecida pode condicionar-nos a tal ponto que deixamos de conseguir ver a obra. é o que acontece, por exemplo, com a mona lisa, que foi esmagada pela história da sua recepção e é ofuscada pela multidão que se acumula à sua frente a toda a hora. até certo ponto, as pessoas querem é registar o facto de terem visto determinado quadro e, por isso, nos museus, fotografam-no, antes ou dispensando mesmo olharem para ele. é também por isso que se lê tanta má literatura ou se vê tanto mau cinema. aderir a uma proposta só porque muitos outros a consomem é uma experiência social ou cultural, mas não significa um verdadeiro contacto com a arte. num certo sentido, é uma espécie de placebo.
podemos treinar a nossa sensibilidade para a arte?
sim, tal como podemos alterar a nossa resposta fisiológica à dor. desde o início dos anos 80 que, para combater as minhas enxaquecas, uso biofeedback, uma técnica que, através de equipamentos electrónicos e de exercícios de relaxamento, nos ensina a auto-regular funções psicofisiológicas. este tipo de terapêuticas mostra que podemos alterar a nossa percepção.
o tempo de atenção e observação também é fundamental…
há pouco tempo, enquanto escrevia sobre as naturezas mortas do pintor italiano giorgio morandi, experimentei observar durante quinze minutos uma garrafa de água com gás. primeiro, o rótulo começou a perder nitidez. depois, surgiram múltiplos pormenores, como os cambiantes de intensidade da luz ou de espessura do vidro ou os efeitos visuais da condensação da água. a visão foi-se alterando devido à intensidade e à duração do olhar, o que também acontece perante uma obra de arte. quanto mais rica for a obra de arte, maior será a surpresa do nosso olhar e a sua ressonância, ao longo do tempo, dentro de nós.