Alemanha e Brasil querem ‘nets’ 100% nacionais

Depois do escândalo Snowden, Berlim e Brasília querem redes nacionais para travar a espionagem electrónica. Mas enfrentam críticas de quem teme a ‘balcanização’ da internet.

é mais do que uma aposta segura afirmar que a internet poderá ser totalmente diferente daqui a uns anos. desta vez não estão em causa os avanços tecnológicos, mas sim a política. por estes dias, e com o contributo acidental dos estados unidos devido ao escândalo da nsa, o brasil e a alemanha discutem a constituição de redes autónomas. o debate é aceso, com os defensores da nacionalização da web a sublinharem maiores garantias de privacidade para os utilizadores e os críticos da tendência a apontarem dois grandes riscos: o empobrecimento do serviço oferecido e um maior controlo do tráfego por parte de governos autoritários em alguns países.

mais do que uma terra de ninguém, a internet é hoje um território norte-americano. o cenário actual é o de um domínio quase total da prestação de serviços online por empresas dos eua como a google, yahoo, apple, microsoft ou o facebook. estas empresas encontram-se sujeitas a leis norte-americanas como o patriot act, que as obriga a ceder dados a washington em caso de ameaça à segurança do país.
por outro lado, grande parte da estrutura física utilizada por aquelas empresas e pelos seus clientes é fabricada na china, outro país recorrentemente suspeito de espionagem electrónica.

agora, e depois de descobrirem que são alguns dos principais alvos da nsa, a alemanha e o brasil querem fechar a porta. segundo a der spiegel, a gigante semi-estatal de telecomunicações deutsche telekom acelerou o projecto para uma web germânica, a internetz. na prática, todo o tráfego online alemão passaria apenas por redes alemãs e os dados ficariam armazenados em data centers germânicos. de acordo com a revista, a concretização da ideia não conta com grandes obstáculos – a estrutura física já existe, e basta apenas adaptar o software utilizado pelos operadores.

os técnicos alemães admitem ainda que a chamada internetz possa vir a abranger os 26 países do espaço schengen (que inclui portugal), mas essa será sempre uma decisão política. o que é certo é que o reino unido (onde se tem debatido um filtro contra todos os conteúdos pornográficos) não participaria no projecto.

no brasil, discute-se agora uma espécie de constituição de internet, o marco civil da internet. originalmente – a primeira versão data de 2011 – o texto centra-se num conjunto de garantias de qualidade de serviço para os utilizadores, como a exigência de uma velocidade padrão. no entanto, e depois das revelações de edward snowden, o projecto ganhou outros contornos a pedido de dilma rousseff. por exemplo, exige-se agora que empresas de tecnologia como a google ou a apple armazenem os dados dos clientes brasileiros no território daquele país.

balcanização da net

tal como na alemanha, a ideia não é consensual. ronaldo lemos, redactor do projecto, disse esta semana ao financial times que teme «uma balcanização da internet». o receio é o de que algumas das principais empresas do sector optem por abandonar o mercado brasileiro por motivos financeiros e jurídicos, deixando o país à mercê de serviços de «segunda categoria».

é também esse o argumento da google. «ao forçar as empresas a construírem data centers no brasil, o governo irá negar aos cidadãos acesso a óptimos serviços oferecidos nos estados unidos e outros países», disse um responsável da companhia ao mesmo jornal. o sector move-se contra a nova lei, expressando a oposição numa carta aberta subscrita por 47 empresas e organizações de 18 países.

o projecto deveria ter sido votado esta terça-feira em brasília, mas a polémica em torno do documento no seio da própria coligação governamental adiou a discussão para a próxima semana.

além destes dois gigantes económicos, outros países ponderam neste momento a construção de redes nacionais com maior ou menor grau de abertura à web global. entre estes, a índia (que já proibiu os seus funcionários públicos de utilizarem emails estrangeiros como o gmail) e a turquia.

glenn greenwald, o jornalista britânico radicado no brasil que deu voz a snowden, antevê uma tendência global. «penso que muitos países vão começar a arranjar meios para não continuarem dependentes de estruturas norte-americanas», declarou à bbc, considerando o projecto brasileiro uma «reacção natural» à intromissão dos eua.

para outros, o argumento da soberania online poderá apenas dar força à censura. actualmente, a internet acedida em portugal é substancialmente diversa daquela a que chineses e iranianos têm acesso – estes não tem acesso a redes sociais como o facebook. no futuro, poderá ser ainda mais diferente.

pedro.guerreiro@sol.pt