a impenetrabilidade estabelece que duas porções de matéria não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo. está é uma propriedade fácil de confirmar – bastando notar como o nível da água num copo sobe quando introduzimos uma colher – e esteve na origem do mais famoso banho (e grito) da história da ciência.
em macroeconomia e em finanças públicas um conceito semelhante é o de crowding-out – expressão inglesa difícil de traduzir, mas que indica uma situação em que um espaço fechado está tão cheio que a entrada de uma pessoa adicional só é possível expulsando alguma outra, enfim, outra situação de impenetrabilidade da matéria. mais especificamente, crowding-out refere-se à redução do investimento privado (ou de outras componentes da despesa privada) induzida pelo financiamento dos défices públicos.
vem este introito a propósito da recente emissão de certificados de aforro pelo igcp, com condições comerciais agressivas e o propósito declarado de canalizar montantes importantes (estão planeados 1,4 mil milhões em 2014) da poupança das famílias para o financiamento do défice do estado. a banca protestou energicamente contra estas emissões, alegando que o produto concorria com os depósitos e, deste modo, estavam a ser desviados recursos que podiam ser utilizados para financiar o sector privado.
portugal viveu durante muitos anos uma situação anómala, que causava grande estranheza aos observadores internacionais, e que consistia no estado não se financiar directamente junto das famílias. não o fazia, precisamente para proteger a banca. é uma situação que em geral não faz sentido e, portanto, concordo que é razoável pôr-lhe fim.
o momento para corrigir a anomalia não podia, contudo, ser pior. com a generalidade dos agentes nacionais coarctados dos mercados internacionais (e com a banca obrigada a desalavancar), o montante de fundos disponíveis para financiamento é essencialmente um bolo fixo (mesmo que os termos vantajoso das emissões dos certificados desviem algum rendimento – presumo que pouco, dada a conjuntura – do consumo para a poupança). nestas circunstâncias, a absorção directa de fundos internos para financiar o défice público reduzirá necessariamente os fundos disponíveis para financiar o sector privado. enfim, uma variedade do tal crowding-out do investimento privado. a menos que a matéria mude de propriedades.
