No fim da linha?

Desde Maio que ando a dizer isto: o diploma do Governo que corta nas pensões da Caixa Geral de Aposentações é um problema. Até no Governo se admite isso – «num país normal, numa situação normal, exigia acordo entre Governo e PS», dizia-me há dias um governante.

reconheço hoje que o governo fez um esforço – anular a acumulação da medida com a contribuição extraordinária de solidariedade é de elementar bom-senso, p.e.. mas é óbvio que só o argumento da conjuntura permite ao governo ter uma leve esperança de que o corte passe no crivo do ratton.

acontece que esse argumento não consta do pedido de fiscalização do presidente da república, esta semana enviado para o tc. carregado de adjectivos de que nem a oposição se lembrou, percebe-se à distância que cavaco silva estendeu um tapete aos juízes para que chumbem a lei. na verdade, o presidente vetou a medida, pedindo aos juízes que lhe assinassem o decreto.

outra vez 2011

tratando a medida per se, e sem medir aqui o peso do resgate, a mais elementar boa-fé leva-me a acreditar que o presidente da república entende que o governo terá sempre alternativas menos dolorosas.

terá? essa é a primeira grande questão. será melhor, colectivamente, aumentar o iva? mas não tínhamos já chegado a um entendimento colectivo sobre os efeitos limitados e nefastos de um aumento do iva? então e se chumbarem também os cortes nos salários? passa para 25%? via das dúvidas é melhor nem perguntar sobre como se resolvem os dois mil milhões que a troika diz que nos vai custar o orçamento de 2015. não vá o diabo tecê-las.

emitir como?

não, não estou com isto a dizer que a medida deve passar porque sim – não faz o meu género. estou a dizer, por agora, que estamos mesmo a chegar ao fim da linha.

lembram-se do que aconteceu ao país no fim de 2010 e início de 2011? as taxas de juro eram tão altas que se tornou proibitivo ir aos mercados, financiando a dívida. só havia tesouraria até julho. adiou-se a decisão do resgate, mas só até não se poder mais.

hoje estamos assim: incerteza nos resultados da consolidação – por motivos diferentes; dificuldade política em encontrar soluções futuras; juros teimosamente nos 6%; tesouraria para menos de um ano; impossibilidade de emitir dívida púbica.

o problema é que emitir dívida é condição sine qua non para termos acesso a um programa cautelar. sem isso, vamos direitinhos para segundo resgate.

o sonho europeu

o chamado fim da linha não é só interno. o novo bloco central alemão pôs fim ao sonho da mutualização da dívida europeia e dificulta um acordo na união bancária; o fmi_aperta as regras para apoio a novos resgates; o bce já avisa que quer menos dívida dos países nos balanços dos bancos.

assim à primeira vista acho que isto tudo vai correr bem. vai, não vai?

david.dinis@sol.pt