Um passeio pelo Prado

É a primeira parceria entre o Museu Nacional de Arte Antiga e o congénere espanhol. ‘Rubens, Brueghel, Lorrain. A Paisagem Nórdica do Museu do Prado’, que inaugurou hoje e fica até Março de 2014, traz a Portugal 57 obras de pintores flamengos e holandeses. “Não trouxemos sobras”, sublinha a comissária espanhola.

normalmente, 15 dias antes de uma exposição temporária abrir, antónio filipe pimentel ainda não sabe como a vai pagar. é assim há três anos, desde que assumiu o cargo de director do museu nacional de arte antiga (mnaa) e constatou as limitações financeiras com que o museu trabalha. sem orçamento para programar, se ficasse à espera de reunir as condições necessárias para avançar com um projecto, provavelmente as exposições não aconteceriam. “o risco é a minha profissão”, comenta, com uma tranquilidade invulgar, a uma semana de inaugurar a primeira exposição do principal museu espanhol em portugal.

esta tranquilidade tem uma razão de ser: financeiramente, a operação é totalmente assegurada pela everything is new (ein), empresa responsável, sobretudo, por organizar festivais de música como o optimus alive, mas que este ano se aventurou a organizar a exposição de joana vasconcelos no palácio da ajuda (ver caixa). ao todo, a mostra da artista plástica portuguesa contabilizou 235 mil visitas, tornando-se a mais vista de sempre em portugal.

a iniciativa de trazer o museu do prado até lisboa partiu do responsável português, tal como o desafio à ein. desde que tomou posse, em março de 2010, antónio filipe pimentel tem feito uma aposta sistemática na internacionalização e uma parceria permanente com o museu do prado sempre lhe pareceu bastante óbvia. por isso, em junho iniciou conversações com o congénere madrileno e, em setembro, a aliança estava formalizada. para os próximos três anos, os dois museus criaram um calendário de estreita colaboração, que arranca oficialmente esta quarta-feira, 4 de dezembro, em lisboa, e culmina com a comemoração do centenário de bosch, em 2016, em madrid. nessa altura, o mnaa vai emprestar as tentações de santo antão ao prado, o museu com o maior acervo de obras do pintor holandês.

sobre a aposta em ‘rubens, brueghel, lorrain. a paisagem nórdica do museu do prado’, antónio filipe pimentel diz que foi uma decisão fácil e consensual. “já que demorámos tanto tempo a tomar consciência da importância desta parceria, tínhamos de a concretizar com algo particularmente substancial do museu do prado. a paisagem nórdica [que antes de chegar à capital andou em itinerância por cinco cidades espanholas] estava a terminar a sua circulação, os quadros iam voltar para as paredes do prado, e percebemos rapidamente que havia aqui uma oportunidade de trazer uma exposição tão interessante”.

exposta pela primeira vez na sua versão completa, a mostra conta com 57 obras, de 31 mestres flamengos e holandeses do século xvii. como espanha dominava a flandres neste período, e o acervo do museu do prado é feito a partir da colecção real espanhola – por decisão da última rainha portuguesa em espanha, d. isabel de bragança -, a corte tinha acesso ao melhor da pintura do norte da europa, entre eles, “o génio fulgurante [peter paul] rubens”, um dos grandes responsáveis pela afirmação da paisagem como tema autónomo. apesar de “não ser um paisagista, nos últimos anos de vida, quando pintava em casa, para si, rubens dedicava-se à paisagem e tornou-se o grande mestre desta corrente”, explica a comissária espanhola teresa posada kubissa.

a par de rubens, pintores como pieter brueghel o moço ou claude lorrain representaram um “momento de viragem” na pintura europeia, reivindicando também eles a paisagem como tema pictórico. “a paisagem deixou de ser apenas fundo e passou a ser cenário de figuras e de temas que, em grande parte, não eram senão o pretexto que o justificava”, contextualiza a responsável espanhola, salientando que, ainda assim, foi considerada “um género menor” pelos renascentistas italianos durante muito tempo. mas “a história veio comprovar que foram os pintores flamengos e holandeses que abriram a porta para o naturalismo, o impressionismo e por aí fora, até à arte contemporânea”.

patente até dia 30 de março de 2014, a mostra está dividida em nove capítulos. além do já citado rubens, que tem um núcleo dedicado inteiramente a si, há imagens de montanhas (“criadas quando os artistas cruzavam os alpes”), da vida campestre (“com retratos da vida social”), da neve (“a paisagem nórdica mais característica”), do bosque, dos jardins dos palácios (“encomendas usadas pela corte para usar como afirmação de ‘isto é nosso’“), de paisagens exóticas (“na sua maioria imagens inventadas a partir de gravuras dos livros de viagens”), de paisagens de água (“essencialmente de pintores holandeses graças às trocas comerciais com o ultramar”) e da luz do sul da europa (“com itália a servir de inspiração, uma vez que a luz nórdica é bastante distinta”).

teresa posada kubissa acredita que esta pintura – “historicamente muito importante”, uma vez que representa “as primeiras paisagens naturalistas, de verdade, na arte” – não é muito conhecida dos portugueses. “tenho a sensação de que acontece o mesmo que em espanha: conhecemos os nomes, mas não as obras”. por isso, a comissária sublinha que esta é uma “oportunidade única” que lisboa tem de as ver de perto. “é uma pintura muito fácil de entender, que comunica bem com o público em geral, até com as crianças”. assim, as expectativas do prado, que recebe três milhões de visitantes por ano, são elevadas. “em madrid teve um êxito tremendo. acredito que aqui aconteça o mesmo porque, além de serem os artistas mais representativos da pintura flamenga, não trouxemos sobras. são obras da colecção permanente do museu do prado”.

alexandra.ho@sol.pt