quando lançou o disco homónimo de estreia, em janeiro de 2011, foram vários os nomes consagrados da música mundial que se levantaram para elogiar anna calvi. brian eno (produtor, entre outros, de gente como u2 e david bowie) chegou mesmo a dizer que a cantora, compositora e guitarrista britânica era “o acontecimento musical mais importante desde patti smith”. nas palavras do ex-roxy music, a música da londrina “é repleta de inteligência, romance e paixão”. os ingredientes certeiros para engrossar a lista de seguidores, com nick cave a assumir-se como o admirador que se seguiu a eno.
o apoio dos dois veteranos serviu, naturalmente, de rampa de lançamento, mas o talento de anna calvi fez o resto. com o disco de estreia correu o mundo em digressão, vendeu milhares de cópias numa altura em que os discos mal se vendem e acabou 2011 nomeada para o mercury prize, a distinção mais importante na área da música no reino unido.
em setembro desse ano, quando actuou no porto e em lisboa em nome próprio pela primeira vez (a estreia tinha acontecido meses antes no optimus alive), extasiou os espectadores com as suas canções intensas e uma força invulgar em palco, que lhe parece sair das entranhas. fora de palco, anna calvi revela-se como a pessoa mais frágil do mundo. além de falar muito baixinho, aparenta ser bastante tímida e as respostas são sempre frases curtas. em disco, porém, a voz é altiva, majestosa até. essa ambiguidade está patente no novo one breath, um disco que diz ser mais pessoal do que o anterior anna calvi, composto depois da morte de um familiar próximo.
depois de um disco de estreia tão bem recebido, sentiu a pressão do sucessor?
nem por isso. senti mais pressão no primeiro disco porque não fazia ideia se alguém o iria ouvir. essa sensação é muito mais assustadora. como só escrevo sobre o que gosto não há nada, à partida, exterior a determinar o que vou fazer. logo, também não há pressão.
o título one breath refere-se a quê?
explica a temática do disco: assinalar um momento de mudança forçada. além disso, transmite a sensação de estar fora de controlo que senti quando estava a escrever as canções. essa sensação pode ser assustadora, mas também excitante e acho que há um balanço entre essas coisas.
o que provocou esse descontrolo?
coisas que aconteceram na minha vida pessoal, como a morte de um familiar… mas tenho optado por não falar disto nas entrevistas. basicamente essa ideia de estar a perder o controlo veio à superfície e, às tantas, percebi que estava a escrever canções sobre essa experiência e não tentei combater.
este é um disco mais pessoal do que o anterior?
sim, sem dúvida.
não teve medo de se expor em demasia?
não. até porque ser vulnerável não é uma fraqueza, mas sim algo que nos fortalece. e a música pode ser terapêutica, uma maneira de explorar o que estamos a sentir a um nível muito íntimo e pessoal e, até, encontrar uma forma de ultrapassar a situação.
sendo um disco tão pessoal, como quer que as pessoas se relacionem com ele?
não me cabe a mim decidir isso, não é algo que consiga controlar. mas quando comecei a compor, queria que o disco reflectisse um espectro alargado de emoções, que tivesse momentos de beleza e outros mais feios, de modo a que estes extremos pudessem coexistir, um pouco como acontece na vida do dia-a-dia.
em termos sonoros, também é mais experimental. foi algo que quis deliberadamente fazer?
sim, queria brincar mais e experimentar coisas novas. não queria fazer novamente o mesmo disco. queria evoluir e, nesse aspecto, redescobrir a discografia de tom waits foi algo que me interessou. especialmente a forma como ele utiliza as percurssões e as guitarras. fá-lo de forma totalmente original.
mas há claramente uma nova amplitude sonora, com vários momentos ambíguos entre distorção e coisas mais orquestrais, entre uma voz segura numa canção e frágil noutra…
isso tem a ver, mais uma vez, com o que se estava a passar na minha vida pessoal. mas independentemente dos problemas que enfrentamos, acho que acaba por ser sempre assim: às vezes sentimo-nos fortes e poderosos, como se nada nos conseguisse atingir, e depois não é preciso muito para acontecer uma reviravolta e sentimo-nos bastante vulneráveis. inconscientemente isso passou para o disco e há um sentimento constante de desconstrução que obriga a que se tenha que erguer tudo outra vez.
daí a interpretação também ser mais teatral?
aí já não concordo, até porque faz-me alguma confusão quando usam a palavra ‘teatral’ para me tentarem definir. não há nada ensaiado no que faço, não estou a actuar. trabalho, claro, faço experiências, mas as coisas saem-me com naturalidade.
mesmo em palco, onde assume uma postura de femme fatal que não tem no dia-a-dia?
actuar faz sobressair o meu lado mais destemido e, no dia-a-dia, não sei como aceder a esse lado. a música é o único canal para chegar lá. por isso, não é uma personagem que sobe o palco. sou genuinamente eu, mas um eu que só aparece quando estou a actuar. continuo reservada com quem acabo de conhecer e a música não mudou isso em mim.
ainda assim, neste disco parece uma mulher mais forte e intensa do que na estreia.
acho que é a mesma, mas agora está num lugar diferente. a experiência de termos de lidar com algo difícil obriga-nos a entrar em contacto com um lado nosso mais forte. talvez seja isso que ouve em one breath.