ao declarar inconstitucional o regime de convergência das pensões do sector público, o tribunal constitucional (tc) critica-o como uma medida “avulsa”. acha que o caminho para ultrapassar o chumbo é a ‘tsu dos pensionistas’, a linha vermelha de portas?
o que defendo – e que não é aquilo que o primeiro-ministro tem em mente – seria passar o défice de 4% para 4,25%. a posição do primeiro-ministro é uma obsessão, uma obstinação injustificável atendendo, por exemplo, ao que christine lagarde [presidente do fmi] já disse sobre a velocidade dos programas. no primeiro dia após o acórdão do tc, os mercados não reagiram negativamente, o que significa que estamos a falar de relativos detalhes. o tc considera que as pensões a pagamento estão antes e acima de qualquer credor e, por isso, o governo tem o dever de reanalisar a meta com a troika e perguntar o que é mais nocivo para a sociedade portuguesa: um deslizar do défice quase simbólico em 0,25%, quando o próprio governo já tentou os 4,5%, ou tentar outras medidas sob a forma de impostos?
a troika quer medidas estruturais, e não extraordinárias, e o governo já se comprometeu.
mas antes da perspectiva da troika está a perspectiva de portugal. para quem tem uma dívida de mais de 200 mil milhões de euros, estarmos a falar de duas décimas do pib é uma obstinação. do lado dos impostos, tem-se falado no aumento do iva. só vejo isso possível na taxa máxima, de modo a não agravar os bens essenciais – mas não quer dizer que concorde! quanto a uma reforma global das pensões, parece-me que não tem grande cabimento o que o primeiro-ministro referiu porque as reformas estruturais não se fazem de um dia para o outro. teria que se fazer uma reforma que envolvesse as pensões do privado e isso era espalhar o erro mais do que outra coisa. voltar à ‘tsu dos pensionistas’ é voltar a uma situação de grande conflitualidade na coligação. não faz sentido que o preço para tentar diminuir a insustentabilidade da segurança social seja pago exclusivamente pelos actuais pensionistas.
como se resolve o problema de sustentabilidade da segurança social?
a segurança social tem que se reformar mas não com a perspectiva de resolver um período de três anos de crise ou de troika. fazer uma reforma, sim, mas como na suécia, que demorou dez anos e foram ouvidos todos os quadrantes políticos. neste momento só falamos de pensões, mas o grande obstáculo à sustentabilidade é o desemprego. entre aquilo que se paga em subsídios e aquilo que se deixa de receber em receita são sete mil milhões a menos, o que equivale a 62% das pensões contributivas que portugal paga. quanto às reformas para o futuro, portugal fez quase todas as reformas que muitos países ainda não fizeram.
as pensões a pagamento são, então, intocáveis?
não é serem intocáveis. não devem ser a primeira opção de corte. equilibrar o sistema pondo em causa as pensões já constituídas causa uma instabilidade com efeitos muito nocivos a prazo: viola a ética pública e dá a entender às próximas gerações que não vale a pena cumprir as regras, porque a qualquer momento e arbitrariamente qualquer governo pode violar essas regras.
o que é melhor para o governo: ‘tsu dos pensionistas’ ou subir o iva?
qualquer um é contraditório. qualquer saída para o governo nesta altura é contraditória com o que tem proclamado. o governo também pisou demasiado o risco. claramente sabia que a probabilidade do regime de convergência ser declarado inconstitucional era grande. não se pode queixar.
defende a aplicação da condição de recursos às pensões mínimas, como vieira da silva (ps)?
concordo inteiramente. o governo tem introduzido a condição de recursos em coisas que não devia, como as pensões de sobrevivência, que o tc provavelmente vai declarar inconstitucional, e depois temos, nas pensões mínimas, à volta de dois terços que não são necessariamente de pessoas pobres. muita gente tem pensões mínimas porque não descontou um número de anos elevado, porque o sistema ainda era recente. era preferível que em vez de se gastar 1% aumentando todas por igual se aumentasse 3% a quem não tem mais recursos.
o chumbo do tc acarreta um perigo de segundo resgate?
não. os mercados não reagiram, também têm a sua racionalidade. o governo sabia que esta medida ia ser chumbada e está a fazer um dramatismo. portugal está a conseguir ter o ano de 2014 quase totalmente coberto em termos de financiamento, com as sucessivas colocações de dívida no mercado. não estamos mais em crise por causa desta decisão, pelo contrário. é melhor: reflecte que portugal ainda é um estado soberano e de direito democrático.
o presidente tinha razões acrescidas para pedir a fiscalização preventiva do oe?
a posição para o oe de 2014 não podia ser diferente da de 2013. aqui, sim, importa o momento crítico que vivemos nos últimos meses do programa. é preferível que o oe seja promulgado e depois o pr fará o entendimento que quiser relativamente a algumas normas – e se não o fizer os partidos farão. mas acho insólito que entre o dia da votação final global do oe e a entrada no palácio de belém tenham passado três semanas. é inqualificável.
está confiante que a coligação conseguirá fechar o programa sem mais problemas internos?
ninguém vai alimentar na coligação uma situação de ruptura. só se a ‘tsu dos pensionistas’ voltar à ribalta haverá turbulência maior.
o psd e cds vão ter dentro de semanas congressos. têm muitas contas a prestar?
os momentos de clarificação são sempre bons. quer o cds, quer o psd, na sua acção no governo, estão a contradizer muito os programas com que se apresentaram ao eleitores. mas aconteceria a qualquer um.
será a última vez que portas se candidata à liderança do cds?
não sei. ainda é jovem, ainda pode ter muitas alternativas políticas. é muito bem preparado do ponto de vista político e o país está muito carente de políticos com peso.
há cds para lá de portas?
nesse aspecto, segue a regra dos lideres fortes: um ‘líder eucalipto’.
concorda com uma coligação psd-cds nas legislativas?
defendo uma coligação psd, ps e cds pós-eleitoral. mas ainda estamos longe.
ainda veremos um governo seguro-portas?
é uma hipótese, embora prefira um governo dos três partidos. na área social, algum confronto entre uma lógica socialista democrática e democrata-cristã é positivo. e o psd tem uma costela tecnocrata importante em termos de estímulo económico.