compro uma parte do discurso do presidente, mas temo que esta sua adesão intermitente ao objectivo de sair do resgate a todo o custo seja contestável. a minha crítica está longe, aviso já, da que terão ouvido dos partidos da oposição. é sobretudo centrada na sua coerência.
em primeiro lugar, não percebo como um presidente que vê de forma tão clara o objectivo nacional de terminar o resgate não teve uma só palavra sobre o assunto quando, há apenas mês e meio, criticou de cima a baixo o corte nas pensões. não foi o pedido que me chocou, foi a sua fundamentação.
em segundo lugar, não percebo em que medida o orçamento anterior era injustíssimo e recessivo e este não é; ou em que medida o ano de 2014 é decisivo e 2013 não era. infelizmente vimos que era. e vimos como boa parte dos esforços que todo o país fez entretanto foram em parte deitados à rua, deixando-nos na situação tradicional da nossa selecção de futebol: prestes a decidir tudo num play-off em que a sorte já vai contar tanto como o mérito (mas sem o ronaldo).
por fim, desconfio que o presidente está convencido que o problema do país se resolve empurrando o problema. cavaco silva sabe que o último orçamento cuja fiscalização foi pedida pela oposição teve uma decisão tardia, em julho. e pensará que, se isso se repetir, mesmo que aconteça um chumbo, ele já encontrará o país fora do segundo resgate. infelizmente não creio que seja tão fácil – para fazer os juros descer dos 6% será preciso mais do que esconder os problemas debaixo do tapete.
mesmo assim, como seria capaz de subscrever todas as palavras do presidente neste discurso do ano novo, vou acreditar que sim. que o governo terá uma resposta eficaz, com medidas para chegar aos 4% de défice deste ano e até aos 2,5% do próximo; que o ps vai entrar num compromisso sobre as grandes metas do pós-troika; que os investidores vão acreditar no país e os juros da dívida baixar dos 6%. e até que os nossos parceiros estão tão desesperados para nos tirar do resgate que nos passam o próximo cheque (que terá de existir) sem piscar os olhos. será assim, com a influência de nossa senhora de fátima – como diria a primeira-dama.
p.s.parece-me claro, dito isto, que o corte nos salários previsto no oe foi mais pensado e é menos arriscado constitucionalmente do que o corte nas pensões recentemente chumbado. por isso aceito e apoio a decisão do pr – que não restem dúvidas sobre isso.