Professores contra professores

Nos três primeiros anos da escola primária as regras eram muito claras: uma régua ‘afiada’ fazia-se ouvir e sentir sempre que alguém se enganava ou tinha um comportamento considerado inadequado.

com laivos de algum sadismo, a professora chegava a enviar meia turma para junto do quadro, onde começava a ‘aviar’ os meninos mais distraídos. sempre que notava que alguns se colocavam na ponta mais distante da sua secretária, na ânsia de a professora já chegar mais cansada, começava os castigos precisamente por aí. achava aquilo um verdadeiro exagero e ainda mais para aqueles que nem sequer tinham roupa conveniente para o inverno, já que estavam com as mãos sempre roxas de frio. imagine-se como não ficavam depois das valentes reguadas…

com a chegada do 25 de abril tudo se alterou radicalmente, ou nem tanto. recordo-me que a professora austera – penso que desempenhava o cargo de directora da escola e por quem até tinha alguma simpatia, apesar da sua brutalidade – foi substituída, poucos meses depois, por uma docente, vinda então das ex-colónias. as aulas passaram a ser bem mais agitadas, com a ausência da régua, e os alunos mostravam pouco apreço pela disciplina. se não estou em erro, na altura passava na televisão uma série que dava pelo nome de pequenos vagabundos. ao chegar a uma aula, ainda distraído, comecei a contar o episódio a um colega. a professora, que se tinha aproximado sem eu dar por isso, desferiu-me uma valente chapada – na altura os professores já tinham indicações de que era proibido usarem violência contra os alunos. fiquei siderado, até porque não esperava tal atitude. uns dias depois, com a confusão instalada na sociedade em geral, alguns alunos tentaram agredir a professora. apesar de, na altura, ter uma aparência frágil, coloquei-me à frente desses colegas e acabei por defender a professora, não sem que ela levasse um pontapé na mão que lhe deixou um dedo num verdadeiro trambolho.

tantos anos depois lembrei-me desta história quando vi professores a quase agredirem colegas por estes quererem fazer um teste de avaliação dos seus conhecimentos. será que agora os professores não agridem alunos e se agridem entre si? faz algum sentido em pleno século xxi e em democracia alguém obrigar os outros pela força da violência? o direito à greve está consagrado na constituição, mas o direito a não fazer greve também está.

bom ano novo.

vitor.rainho@sol.pt