ETA queima últimos cartuchos

Palco: um antigo matadouro, transformado em espaço cultural, em Durango, na província basca de Biscaia. Cena: dezenas de ex-reclusos da ETA, que somam milhares de anos de condenações e centenas de mortos em ataques terroristas. Terceiro acto: estes homens e mulheres afirmam-se solidários com os membros da organização terrorista basca que ainda cumprem pena, concordando…

foi numa espécie de encenação – em jeito de monólogo, já que não foram permitidas perguntas nem fornecida uma lista com os nomes dos ex-presos presentes – que no dia 4 o porta-voz deste grupo leu o comunicado: “aceitamos a nossa responsabilidade no que diz respeito às consequências do conflito”. um conflito que matou 829 pessoas.

para perceber as palavras de josé antonio lópez ruiz, é preciso recuar ao ‘segundo acto’. uma semana antes, o colectivo de presos e presas políticos bascos (eppk na sigla em euskera, língua basca) havia tornado público que aceitava tanto a legalidade do sistema judicial e penitenciário espanhol como a reinserção individual dos reclusos.

seguir a ‘via nanclares’

ficava implícito na carta do eppk que a organização aceita agora a chamada ‘via nanclares’, projecto de reinserção de etarras que passa por etapas concretas: reconhecimento da política penitenciária, saída do eppk, renúncia pública à eta (este abandono era uma traição que se pagava com a vida) e ao uso da violência, pedido de perdão às vítimas e compromisso de indemnizá-las.

o documento de 28 de dezembro foi o passo mais importante dado pela eta desde que a organização anunciou, a 20 de outubro de 2011, o abandono da luta armada – o ‘primeiro acto’.

a euskadi ta askatasuna não pediu perdão às vítimas, não mostrou intenção de entregar as armas nem admitiu dissolver a organização, nos dois recentes comunicados. e as reacções não se fizeram esperar.

para a associação de vítimas do terrorismo, “durango é a maior vergonha da democracia”. já o partido socialista da esquerda abertzale – nacionalista basca –, sortu, que rejeita a violência desde a fundação em fevereiro de 2011, fez saber através do porta-voz que é “fundamental para o processo de paz” que a eta entregue as armas.

o ministro do interior reiterou a total indisponibilidade do executivo em dialogar: “o único comunicado que interessa ao governo é aquele em que a eta anuncia a sua dissolução incondicional”. em conferência de imprensa, jorge fernández díaz falou da “repugnância” que lhe causou o encontro de 4 de janeiro e usou do sarcasmo: “dizem que causaram sofrimento. muito obrigado, sabemos disso perfeitamente”.

manif após operação jaque

dias depois, na quarta-feira, o ministério do interior tornou claro que apenas a liquidação da eta interessa. agentes do serviço de informação da guarda civil detiveram oito pessoas ligadas ao núcleo duro etarra na operação jaque. entre os detidos, a advogada arantza zulueta, da ala mais radical, que dizem apostar num regresso à violência.

ver-se-á amanhã os efeitos destas detenções na manifestação de bilbau, organizada pela esquerda abertzale, de apoio aos presos da eta. a esmagadora maioria da organização está presa: 527 reclusos. cerca de meia centena está a monte. outros 63 foram libertados a partir de 21 de outubro, após o tribunal europeu dos direitos humanos anular os efeitos retroactivos da doutrina parot.

a justiça europeia ditou que a decisão de 2006 do supremo tribunal espanhol (que impedia reduções de penas nas sentenças mais longas) não podia ser aplicada em condenações anteriores a esse ano. abriu-se assim caminho para a libertação de dezenas de etarras que já tinham servido a maior parte da pena.

ana.c.camara@sol.pt