Julgado militar que acusou Alegre de ‘traição à Pátria’

Começa amanhã, no Campus da Justiça, em Lisboa, a primeira sessão do julgamento de um militar na reforma que acusou Manuel Alegre de “traição à Pátria” pela sua actuação durante a guerra colonial. O socialista considerou-se difamado e arrolou como testemunhas de acusação três conselheiros de Estado: Mário Soares, Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, revelou…

o ministério público aderiu em parte à tese de acusação particular apresentada por manuel alegre, considerando que o arguido “tinha obrigação de saber” que o socialista não desertou nem traiu a pátria. a acusação particular alegava também “conluio e intenção de prejudicar a candidatura presidencial” de alegre. “o assistente foi obrigado a justificar-se perante o público, tendo a questão da ‘deserção e traição’ sido tema reiteradamente abordado, ao longo da campanha, com consequências devastadoras para a imagem do assistente”, lê-se na acusação particular.

a polémica foi desencadeada na pré-campanha das eleições presidenciais em 2010, num debate sobre a guerra colonial, organizado na gulbenkian.

logo na altura, o tenente-coronel brandão ferreira questionou alegre sobre a sua conduta enquanto militar na guerra de angola. alegre explicou que não desertou, pois foi preso pela polícia militar e mais tarde passou à disponibilidade,

dias depois, o tenente-coronel escreveu mesmo um artigo de opinião no jornal o diabo sobre isso e é nessa altura que manuel alegre decide processá-lo pelo crime de difamação. “o cidadão manuel alegre quando foi para argel não se limitou a combater o regime, consubstanciado nos órgãos do estado, mas a ajudar objectivamente as forças políticas que nos emboscavam as tropas. a não ser que considerassem essas tropas como fiéis apaniguados do regime, coisa que até hoje sempre desmentiu”, lê-se no texto de brandão ferreira, intitulado “manuel alegre ‘combatente’, por quem?”, em que aquele militar na reforma considera que o ex-candidato presidencial traiu a pátria por ter passado informações ao inimigo que puseram em risco a vida de outros militares portugueses. “devemos ver, em primeiro lugar, que o crime de traição é considerado em relação à pátria, não em relação a governos ou regimes. não há traidores ‘democráticos’ ou traidores a ditaduras, ou outra coisa qualquer. a traição é sempre relativa a uma causa, um juramento, uma crença.”

alegre reagiu a estas palavras, em 2010, divulgando o registo de cumprimento do seu serviço militar e anunciando que iria processar judicialmente quem levantava dúvidas sobre esta matéria.

a polémica em 2010 foi grande e o ex-chefe de estado-maior da armada, almirante vieira matias, também se pronunciou sobre o assunto: “tecnicamente pode não ter sido desertor, mas isso é o que menos importa. estar ao lado do inimigo é uma atitude que tem um nome. para mim, foi bastante pior que a deserção”.

em nota enviada ao sol, brandão ferreira salienta que “os agentes da justiça portuguesa já deram provas, ao longo dos tempos, de que muitos prezam a verdade e a independência dos tribunais e não estão diminuídos pelo politicamente correcto de cada época. e, também, que prezam mais a justiça do que o simples exercício deletério do direito”.

além de brandão ferreira, que está acusado de dois crimes de difamação, está também acusado o militar fernando paula vicente, por um texto publicado num blogue, e dois jornalistas do diabo.

o julgamento arranca agora, quase quatro anos depois.

(notícia actualizada às 19h41)

helena.pereira@sol.pt