A privacidade dos políticos

Portugal é mesmo um país sui generis. Cerca de dois milhões de espectadores assistem regularmente a um programa decadente em que o nível mais elevado das conversas deve ser quando os intervenientes dizem o seu nome ou dos pais.

a avaliar pelo que escrevem as revistas da especialidade, o sucesso de tal programa deve-se a um lavar de roupa suja que nem as prostitutas cansadas de uma vida feita entre o antigo cais do sodré e o intendente costumam já usar. nas tais revistas, constata-se que a fulana x ameaça y de lhe bater porque enquanto andava com um namorado a outra também se meteu com ele. mais coisa, menos coisa, é isso que retiro do que leio. concluindo, há pelo menos dois milhões de pessoas que gostam de ver e de ouvir as tais personagens sinistras.

mas não deixa de ser curioso que o mesmo país que absorve programas onde as facadas nos namoros dão tantas audiências, ainda tenha um certo pudor em se intrometer na vida privada dos seus políticos. felizmente, acrescento.

vem esta conversa a propósito das mudanças de costumes em frança. até há bem pouco tempo, era normal a imprensa saber que um presidente tinha uma filha ilegítima ou uma relação fora de casa, mas ninguém noticiava tal coisa. se não estou em erro, hollande, quando fez campanha para a presidência, já tinha um caso extraconjugal, mas tal comportamento não merecia, e bem, ser noticiado. os franceses há muito que, no que aos costumes diz respeito, sempre gostaram de respeitar o que cada um faz na sua casa ou na dos outros.

o que não se estava à espera é que hollande acabasse nas bocas do mundo por se ter descoberto que anda de beicinho caído por uma actriz e que a mulher que vivia consigo esteja no hospital com uma depressão.

se hollande não tivesse desiludido os franceses em termos governativos a imprensa dita séria daria eco do que publicou uma revista cor-de-rosa? ou será que as redes sociais vieram alterar para sempre os costumes liberais dos gauleses, sendo impossível deixar de noticiar o que muitos sabem? esperemos que não e que lá como cá se foquem apenas naquilo que cada um aceita expor da sua vida.

vitor.rainho@sol.pt