no caso de joão antônio, logo no livro de estreia, aos 26 anos, ele une registo autobiográfico e talento literário enquanto estiliza o linguajar rude dos subúrbios e a gíria dos malandros. malagueta, perus e bacanaço, vencedor de dois prémios jabuti de 1963, foi agora editado por cá, na colecção sabiá, da cotovia.
o volume reúne nove contos e divide-se em três partes (‘contos gerais’, ‘caserna’ e ‘sinuca’). no essencial, as narrativas misturam vivências da infância e adolescência, sensíveis mas nunca sentimentalistas, com o registo da sobrevivência áspera e sofrida dos excluídos. o último conto, que dá título ao livro, é a obra-prima de joão antônio, retrato instantâneo da fauna marginal paulista: “safados por todos os cantos. magros, encardidos, amarelos, sonolentos, vagabundos, erradios, viradores”.
os protagonistas, malagueta (velho piranha), bacanaço (mulato proxeneta) e perus (moleque estreante) representam três idades num “ambiente em que não pode haver frescura, meio tom, meia palavra: a coisa ou é ou não é” (antônio, em entrevista). numa só noite de sábado, eles percorrem os salões de bilhar e os botecos de cinco bairros: “são paulo era grande e eles, três tacos, tinindo para o que desse e viesse. haveria jogo em algum canto. faziam fé”.
procuram otários, imaginam tramóias e medem jogadas, são pisados pela polícia, competem entre si, ganham e perdem. à vez, vamos conhecendo cada um e o seu olhar sobre o jogo triste da vida. “fazer o quê? eram três vagabundos e iam”. acabam como começaram: “quebrados, quebradinhos”, sem dinheiro nem para um café. através da frase curta, da enumeração constante e do desfile de imagens, figuras e discursos vivos, joão antônio dá-nos a ver (e a ouvir) a cidade brutalista, com as entranhas feias todas à vista.