Ianukovich tremido

A Ucrânia continua no limiar de um conflito civil de dimensões imprevisíveis porque, não obstante algumas cedências importantes feitas por Viktor Ianukovich à oposição, elas são insuficientes para o restabelecimento da calma. Os opositores querem a demissão do Presidente e do Parlamento e a realização de eleições gerais antecipadas.

“O mandato de Ianukovich não chegará ao fim. Com ou sem sangue, ele terá de afastar-se pois o país está cansado dele e do seu clã”, declarou ao SOL o analista político Vladimir Dolin.

Segundo este especialista que acompanha por dentro a situação, os protestos na Praça da Independência (Maidan) e na Rua Gruchevsky, em Kiev, atiram para segundo plano a questão da aproximação da Ucrânia em relação à União Europeia e concentram-se na “renovação total das estruturas do poder”.

“Os oligarcas retiraram o apoio a Ianukovich, pois os seus negócios têm sido prejudicados por membros da família do Presidente. Os ucranianos simples vivem cada vez pior, estão fartos do monopólio do poder e do controlo dos tribunais”, frisa Vladimir Dolin, acrescentando: “Resta saber quando e se a bem ou a mal”.

Viktor Ianukovich já fez importantes cedências à oposição: ofereceu-lhes cargos governamentais, aceitou a demissão do Governo de Mikola Azarov e levou o parlamento a revogar um pacote de leis aprovado pelo parlamento a 16 de Janeiro, que limitava seriamente as liberdades de expressão e manifestação.

A oposição, ou mais precisamente, as oposições viram nessas cedências um sinal de fraqueza do Presidente e exigem mais. Neste processo, a chamada ala moderada, dirigida por conhecidos políticos como Arseny Iatzynuk, poderá ser ultrapassada pela ala mais radical: o Sector de Direita, que reúne nacionalistas e neonazis.

“Os últimos acontecimentos na Ucrânia já mostraram que não há alternativa à via revolucionária de luta para a liberdade… Com base nisso, a falta de expressão da posição dos líderes dos partidos parlamentares e o seu medo de conduzir a revolução obrigam-me a chamar a mim a responsabilidade pelo processo da revolução e pelo desenrolar dos acontecimentos”, considera Dmitri Iaroch, líder do Sector de Direita.

É de salientar também o facto de ser difícil prever como irão reagir as regiões do Leste e do Sul do país caso a oposição vença em Kiev e, nesse processo, a Rússia poderá ter uma palavra a dizer devido à sua forte influência sobre as populações locais.

Depois da cimeira União Europeia-Rússia, realizada em Bruxelas na passada terça-feira, o Presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que o seu país “não irá rever os acordos sobre os créditos e sobre energia se a oposição chegar ao poder”.

O Kremlin prometeu à Ucrânia um crédito de 15 mil milhões de dólares sob a forma de aquisição de títulos do tesouro e baixou o preço do gás em mais de 30%.

Porém, no mesmo dia e no mesmo local, Igor Chuvalov, vice-primeiro-ministro russo, falou num tom diferente: “Se o novo Governo anunciar outra ordem de trabalhos e outras prioridades, então é provável que passe a haver motivo para rever os acordos existentes”.

Magnânimo Putin

Quando à cimeira em geral, sobressaiu a imagem conciliadora e pacífica de Vladimir Putin, pouco comum em situações como esta, em que as relações entre a Rússia e a UE atingiram um dos pontos mais baixos depois do fim da guerra fria.

Alguns analistas não excluem mesmo que Moscovo e Bruxelas chegaram a um acordo em que o primeiro pressionaria Ianukovich com vista a satisfazer algumas reivindicações da oposição e o segundo travaria os excessos dos opositores.

“A Rússia vai tentar dividir a Ucrânia, mas, neste momento, Putin tem os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi (7-23 de Fevereiro), o que o impede de fazer movimentos bruscos”, considera Vladimir Dolin.

Resta saber se o desenrolar dos acontecimentos irá permitir ao Presidente russo continuar a manter o sangue frio.

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*em Moscovo