Agora, a Europa dá sinais de que o investimento em infra-estruturas é visto como a solução para resolver a falta de crescimento e o desemprego, sobretudo nos países da periferia.
No espaço de um mês, a Comissão Europeia disponibilizou-se para financiar quase dois terços do custo de uma mão cheia de projectos na Grécia e em Portugal, recuperando muitas das obras públicas abandonadas quando a crise do euro e a austeridade chegaram.
Após cinco anos, cinco resgates e um desemprego histórico – 12% dos europeus não têm trabalho -, a Grécia é o caso mais avançado. Embora Atenas mantenha metas de redução da despesa pública ao abrigo do programa da troika, fechou com Bruxelas um acordo para a construção e concessão de quatro novas auto-estradas no país, um investimento de 7,6 mil milhões de euros que irá criar 20 mil empregos. O impacto no crescimento do PIB é de 1,5 pontos percentuais até 2015.
A Comissão Europeia, um dos três braços da troika na assistência financeira ao país, referiu que este projecto – o maior investimento em infra-estruturas dos últimos cinco anos – é “prioritário” para a criação de emprego e um “ponto central” para a retoma da economia, lê-se no comunicado do acordo. Só na construção destas quatro vias, os fundos comunitários irão contribuir com 2,97 dos 4,1 mil milhões de euros.
Em Portugal, foi apresentada esta semana uma proposta para 30 projectos prioritários em infra-estruturas nos quais o país deve investir até 2020. O plano, encomendado pelo Governo, dá prioridade aos portos e aos caminhos-de-ferro, em detrimento das estradas e dos aeroportos, privilegiando ainda as mercadorias face aos passageiros.
Mudança de sentimento
A ligação ferroviária de mercadorias entre Sines e Espanha, a expansão do terminal marítimo de Sines ou a construção de um novo porto de águas profundas em Lisboa são alguns dos investimentos considerados estratégicos. Estes projectos têm um orçamento de cinco mil milhões de euros e contarão com um financiamento de Bruxelas até 60%, oriundo do novo quadro comunitário de apoio entre 2014 e 2020, que entra em vigor no próximo ano.
A abertura e disponibilidade da Comissão Europeia para apoiar esta nova vaga de obras públicas, anteriormente ausente de qualquer discurso ou powerpoint de Bruxelas ou do FMI, mostra uma mudança de sentimento face à forma de resolver os problemas das economias da periferia: o investimento em infra-estruturas é agora visto como um estímulo económico que poderá ter um papel decisivo na retoma.
Na Grécia isso é claro e já admitido pelo Governo e pela troika. As projecções indicam que as novas estradas vão contribuir para metade do crescimento esperado para este ano (0,6%) e 2015 (2,9%). Desde 2010, a economia grega contraiu 22%, o investimento recuou 60% e um terço dos gregos ficou sem emprego. Empregar 20 mil pessoas será determinante para baixar a mais alta taxa de desemprego na Europa (27%). O plano rodoviário grego representa um estímulo à economia de 2,7% do PIB em dois anos, três vezes mais do que os EUA usaram durante a crise de 2008 a 2011 (1% do PIB).
Em Portugal, o investimento de cinco mil milhões de euros em obras públicas terá também um impacto significativo na economia – a verba representa o equivalente a 3% do PIB.
Sines com ligação a Espanha
Numa entrevista concedida esta semana ao Negócios, o comissário europeu dos transportes, Siim Kallas, afirmou que alguns projectos portugueses – nomeadamente a ligação ferroviária de Sines a Espanha, um dos maiores investimentos do plano – serão decididos este ano, com a construção a arrancar em 2015. Tal como na Grécia, Portugal também viu o investimento evaporar-se com a crise, tendo sofrido uma queda de 36% desde 2010. O desemprego subiu de 12% para 17%. A proposta apresentada ao Governo não contém o impacto total dos 30 projectos, referindo apenas que só mil milhões de investimento em portos gera 4.800 empregos e 100 milhões de euros extra no PIB.
A aposta em obras públicas é um instrumento tradicional na recuperação das economias em recessão, uma vez que estimula o investimento e reduz o desemprego: são actividades de trabalho intensivo e atraem investidores externos e tecnologia que podem permanecer após a obra feita.
A forte participação de financiamento comunitário nestes dois planos de infra-estruturas permite aos Estados grego e português contornarem a grande desvantagem das obras públicas: o recurso à dívida. Na Grécia, o Estado entrará com 20% da factura, em Portugal, os 30 projectos terão um financiamento público de 28%.
Projectos
Marítimos: 18
Novo terminal de águas profundas em Lisboa, expansão do terminal XXI em Sines, alargamento do terminal de contentores e novo terminal de cruzeiros em Leixões.
Ferroviários: 8
Ligação de alta prestação de Sines a Espanha, modernização da Linha do Norte e Beira Alta.
Rodoviários: 2
Túnel do Marão e ligação do IP3 entre Coimbra e Viseu.
Aeroportuários: 2
Novo terminal de cargas de Lisboa.